7/15.3JASTB-B.L1-9 Relator: ANTERO LUÍS PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL MEDIDAS DE COACÇÃO ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME RL

recurso penal


1. Ao arguido presente para 1º Interrogatório judicial e aplicação de medidas de coacção deve ser dado conhecimento circunstanciado dos elementos constantes do processo que permitem o juízo de indiciação efectuado e a consequente aplicação da medida de coacção, nos exactos termos constantes do artigo 141º, nº 4 alínea e), do Código de Processo Penal.
2. Se o Ministério Público quando apresenta o detido para primeiro interrogatório judicial e aplicação de uma medida de coacção, entende que existem elementos que constam do processo que não devem ser do conhecimento do arguido ao momento desse primeiro interrogatório, por razões de segredo de justiça ou pelos motivos materiais que são referidos na alínea e), do nº 4 do artigo 141º do Código de Processo Penal, não deve fazer assentar a indiciação, nem a promovida aplicação da medida de coacção, nesses elementos do processo.3. O artigo 141º, do Código de Processo Penal interpretado para efeitos de indiciação e aplicação de medidas de coacção, no sentido de “utilizar mas esconder”, viola os mais elementares direitos de defesa do arguido, não permitindo um processo justo e equitativo, obrigatório mesmo na fase preliminar do processo, por força da repercussão que as decisões tomadas nessa fase têm ao longo do processo.

4. O Tribunal a quo ao esconder do arguido os elementos constantes do processo e não motivando de forma concreta o despacho que justifica tal procedimento, está também a limitar os poderes de apreciação do tribunal de recurso dada a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de sindicar um despacho fundamentado de forma genérica e não concretizada.

5. Se o arguido foi informado de forma restritiva dos elementos constantes do processo e depois o despacho de aplicação da medida de coacção contém, nessa enunciação, mais elementos que aqueles que foram mostrados e dos quais o arguido foi informado ao momento do 1º interrogatório, verifica-se a nulidade do artigo 194º, nº 6, alínea b), por referência ao artigo 141º, nº 4 alínea e), ambos do Código de Processo Penal.
6. Tal nulidade acarreta a invalidade do despacho que decretou a medida de cocção devendo o acto ser repetido com cabal e integral cumprimento da alínea e) do nº 4 do artigo 141º do Código de Processo Penal e o Juiz de Instrução informar previamente o arguido dos elementos do processo utilizados para justificar a indiciação e aplicação da medida de coacção (artigo 122º do Código de Processo Penal).


Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I           Relatório
Nos autos de inquérito que correm termos nos serviços do Ministério Público do Departamento de Investigação e Acção Penal do Seixal (DIAP), com o número supra identificado, após terem sido submetidos a primeiro interrogatório judicial subsequente à sua detenção, na Instância Central de Almada, Comarca de Lisboa, 2ª Secção de Instrução Criminal, Juiz 1, foi determinada a sujeição dos arguidos M... e O..., às medidas de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanaisproibição de se ausentar do País e proibição de contactar o arguido O... e outros indivíduos ligados ao mundo da toxicodependência e de frequentar lugares conotados com o mesmo, nos termos constantes do seguinte despacho: (transcrição parcial)
«Valido as detenções dos arguidos, as quais foram efectuadas com observância dos artigos 254º, nº1 al. a), e 257º, n.º1, al. a), do Código de Processo Penal, os quais foram apresentados em juízo dentro do prazo de 48 horas, (cfr artigos 28º, n.º1 da CRP e 141º, n.º1 do Código de Processo Penal) , por referência à hora consignada no auto de notícia e detenção constante dos autos a fls. 774 e seguintes.
Valido as apreensões efectuadas nos termos do disposto no artigo 178º, N.º 5 do código de Processo Penal
Da análise da declaração dos arguidos, em concreto e apenas em relação às respectivas situações e condições económicas e sociais, e de todos os elementos de prova referidos aos arguidos, designadamente elementos probatórios juntos aos autos: Informações de Serviço de fls. 15 a 17, 284 e 285, 304 e 305, 312 e 313, 344 a 347, 385 a 387, 522 e 523, 539 e 540, 554 e 555, 583 e 584, 596 e 597; Cotas de fls. 58, 90, 124 a 129-A, 151, 206; Relatos de diligência externa de fls. 59, 61, 180 e 181, 266, 268 a 270, 314 a 316, 321 a 323, 349 a 352, 360, 687 e 688, 712 e 713; Fotogramas de fls. 60; Fls. 62, 66 a 72, 100 a 102, 134 a 136, 147 a 150, 173 a 175, 202 a 205, 224 a 227, 245 a 247, 332, 419 a422, 438 e 439, 453 e 454, 466 a 468, 491 a 494, 570 a 575, 684 a 686, 733 e 734; Informações de fls. 64 e 65, 95 e 96, 361 e 488; Relatórios de audição de interceção telefónica de fls. 97, 131, 132 e 133, 153, 154 e 155, 189 e 190, 209, 267, 287 e 288, 307,308, 333, 368 e 369, 389, 407 a 413, 489 e 490, 524 e 525, 585 e 586; Reportagens fotográficas de fls. 182, 317 a 320, 324 a 331, 353 a 356, 690 a 693, 694 a 703, 715 a 717 e 735 a 762; Autos de Transcrição de interceção telefónica de fls. 433; Certidão de fls. 562 a 564; Autos de busca e apreensão de fls. 681 a 683, 710 e 711 e 729 a 732; Testes rápidos de fls. 689 e 714 e ainda as transcrições juntas na presente data, indiciam neste momento fortemente, a prática pelo arguido os seguintes factos:
Pelo menos, desde o mês de Janeiro de 2015, o arguido O..., também conhecido por “Naná”, dedicava-se à atividade de compra e venda de heroína e de cocaína, com o intuito de obter lucros resultantes da diferença existente entre o preço de compra e o preço de venda de tais produtos.
O arguido O... procedia ao “corte” e ao acondicionamento da heroína e da cocaína em pequenas embalagens num armazém, sito na Rua C, na Quinta das Lagoas, Corroios, Seixal.
O arguido O... guardava a heroína e a cocaína que vendia no interior de blocos colocados numa parede de um pequeno espaço fechado, cujo acesso se fazia exclusivamente pelo interior da garagem da sua residência, sita na Rua (…).
O arguido O... procedia à venda de heroína e de cocaína a terceiros no bairro da Quinta das Lagoas, Corroios, Seixal.
No desenvolvimento da sua atividade de venda de produtos estupefacientes, o arguido O... era auxiliado pelos arguidos OR..., seu filho, e M..., sua companheira.
O arguido OR... tinha como função auxiliar o arguido O... na preparação/corte da heroína e da cocaína e proceder às vendas e às entregas desses produtos estupefacientes a terceiros.
A arguida M... também auxiliava o arguido O... na preparação/corte da heroína e da cocaína e procedia às vendas e às entregas desses produtos estupefacientes a terceiros, utilizando o seu estabelecimento comercial de café, sito na Rua (…), para isso.
Posteriormente, os arguidos OR... e M... entregavam as quantias monetárias obtidas com essas vendas ao arguido O....
O arguido O... também conta com a colaboração da arguida N..., também conhecida por  “Tai”, que é  irmã da  sua companheira e reside no Terreiro (…), na sua atividade de venda de heroína e de cocaína a terceiros.
A arguida N... tinha como função a ocultação e o transporte dos produtos estupefacientes,  propriedade de O..., e do dinheiro e de outros bens obtido com sua comercialização daqueles produtos.
Na concretização da sua atividade de compra e venda dos produtos estupefacientes, o arguido O... utilizava os seus telemóveis com os cartões telefónicos n.º 9...e 9… e o telemóvel da arguida M... com o cartão telefónico n.º 9….
No decurso desses telefonemas eram utilizados códigos de modo a que o arguido O... identificasse os interlocutores, entendesse quais eram os produtos estupefacientes que os consumidores pretendiam comprar e combinasse o local do encontro onde se realizaria a venda.
Desta forma, “preta”, “branca”, “ferro” e “cimento” significavam que o cliente pretendia comprar determinada droga ao arguido O....
No dia 12.11.2015, pelas 07H00, no quarto do arguido OR... existente na residência, sita na Rua (…), aquele guardava dois telemóveis da marca Nokia e um telemóvel da marca Blackberry.
Ainda na referida residência, mas no quarto dos arguidos O... e M..., estes guardavam:
- dois telemóveis da marca Samsung;
- um telemóvel da marca LG;
-uma carteira, propriedade do arguido O..., contendo € 700,00 (Setecentos euros), em notas do Banco Central Europeu, as quais apresentavam-se em uma nota de € 50,00, vinte e uma notas de € 20,00, vinte notas de € 10,00 e seis notas de € 5,00, e vários papéis manuscritos referentes a números de telemóveis, que estava colocada no casaco pendurado num cabide da porta do quarto;
- uma carteira, propriedade da arguida M..., contendo € 210,00  (Duzentos  e  dez  euros),  em  notas  do  Banco  Central  Europeu,  as  quais apresentavam-se em quatro notas de € 20,00, doze notas de € 10,00 e duas notas de €5,00, que estava colocada por baixo do colchão da cama ali existente.

Na garagem da mencionada residência, o arguido O... guardava quatro embalagens de rolo fotográfico em cima do frigorífico.
Nos blocos colocados na parede de um pequeno espaço fechado, cujo acesso se fazia exclusivamente pelo interior da garagem da sua residência, sita na Rua (…), o arguido O... guardava duas embalagens de rolo fotográfico, contendo no seu interior oito sacos de uma substância, que veio a determinar-se ser cocaína, com o peso ilíquido total de 8,8 gramas.
Pelas 09H00, do dia 12.11.2015, no estabelecimento comercial de café, sito na Rua (…), propriedade da arguida M…, esta guardava uma caixa de um telemóvel contendo no seu interior várias folhas de jornal enroladas, as quais foram usadas para acondicionar produtos estupefacientes.
Na parede exterior do referido estabelecimento comercial, a arguida guardava uma substância, que veio a determinar-se ser cocaína, com o peso ilíquido total de 1,1 gramas.
No dia 12.11.2015, pelas 07H00, na residência da arguida N..., sita no Terreiro (…), mais concretamente no interior de um cofre portátil colocado no roupeiro do seu quarto, aquela guardava:
- diversas notas de euro emitidas pelo Banco Central Europeu, de variado valor facial, espalhadas pelo cofre, perfazendo a quantia de € 2750,00 (Dois mil setecentos e cinquenta euros);
- quatro maços de notas emitidas pelo Banco Central Europeu, de valor facial diverso, no valor de € 1000,00, cada um, perfazendo a quantia de € 4000,00 (Quatro mil euros);
- um maço de notas emitidas pelo Banco Central Europeu, de valor facial diverso, perfazendo a quantia de € 900,00 (Novecentos euros);
- quatro maços de notas emitidas pelo Banco Central Europeu, de valor facial diverso, no valor de € 1000,00, cada um, perfazendo a quantia de € 4000,00 (Quatro mil euros), que se encontravam num saco plástico;
- três maços de notas emitidas pelo Banco Central Europeu, de valor facial diverso, no valor de € 1000,00, cada um, perfazendo a quantia de € 3000,00 (Três mil euros), que se encontravam num saco plástico;
- um maço de notas emitidas pelo Banco Central Europeu, de valor facial diverso, perfazendo a quantia de € 800,00 (Oitocentos euros), que se encontravam numa mica;
- a quantia de € 960,00 (Novecentos e sessenta euros), em notas de diverso valor facial, que se encontrava agregado a um papel manuscrito, com referência a diversas datas e valores monetários;
- a quantia de € 940,00 (Novecentos e quarenta euros), em notas de diverso valor facial, que se encontrava agregado a um papel manuscrito, com referência a diversas datas e valores monetários;
- dois papéis manuscritos, com referência a datas e valores monetários.
Da quantia total de € 17.350,00 (Dezassete mil trezentos e cinquenta euros), que a arguida N... guardava na sua casa, apenas o montante de € 5700,00 (Cinco e setecentos euros) era seu. A restante quantia no valor de € 11650,00 (Onze mil seiscentos e cinquenta euros) era propriedade do arguido O....
Na referida residência, a arguida N... também guardava vários objetos em  ouro amarelo (fios, pulseiras, anéis, brincos e  medalhas), que  se encontram melhor descritos no Auto de Busca e Apreensão, que aqui e agora se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais. Parte destes objetos em ouro pertenciam ao arguido O....
O arguido O... dedicava-se, de forma regular, à atividade de compra e venda de heroína e cocaína, fazendo dela o seu modo de vida, da qual retirava vantagens económicas.
Os arguidos OR... e M... auxiliavam o arguido O... no desenvolvimento da sua atividade de tráfico de estupefacientes, assegurando a preparação/corte da heroína e da cocaína e procedendo às vendas e às entregas desses produtos estupefacientes a terceiros.
Ao agir da forma supra descrita, o arguido O... quis comprar, vender e deter aqueles produtos estupefacientes, cujas características conheciam, com o objetivo de destiná-los à venda a terceiros, como efetivamente o vinha fazendo, e obter benefícios económicos.
Por sua vez, ao atuarem da forma suprarreferida, os arguidos OR... e M... quiseram guardar, deter e transportar aqueles produtos estupefacientes, cujas características conheciam, com o objetivo de vendê-los a terceiros e fazendo com que eles e o arguido O... obtivessem proventos.
Os arguidos O..., OR... e M... agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Dispõe o 193.º, nº 1 do CPP que, as medidas de coação a aplicar devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso em concreto requeira e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Por sua vez, nos termos do artigo 204.º do CPP, à exceção da medida de coação TIR, nenhuma outra pode ser aplicada se, em concreto, não se verificarem os perigos previstos nas alíneas a)  a c) :
 (a) Fuga ou perigo de fuga;
 (b) perigo de perturbação do inquérito, ou
(c) perigo em razão das circunstâncias e natureza do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem ou a tranquilidade públicas
No que aos presentes autos diz respeito e conforme já se disse resultam fortes indícios de que os arguidos desde pelo menos Janeiro de 2015 que se vêm dedicando à aquisição para posterior cedência  a terceiros de produto estupefaciente,  sob direção e orientação do arguido O...,  conhecido por Naná.
Considerando a quantidade de telemóveis, dinheiro e ouro que se mostram apreendidos nos autos e que não são compatíveis com o meio social onde estão inseridos e atividade licita conhecida do agregado familiar, resulta evidente que os mesmos fazem do tráfico modo de vida como é do mesmo que obtém a maior parte do rendimento familiar.
Por  outro  lado,  considerando  a  forma  como  o produto  estupefaciente  apreendido estava acondicionado, quantidades que foi apreendidos e o facto de os arguidos optarem por esconder os proveitos do tráfico em casa da arguida Natália Santos, irmã da arguida Maria Francisca, é indicador de elevado nível de organização e experiencia, nomeadamente em conseguir ludibriar as autoridades.

Com efeito, não lhe tendo sido apreendido na sua posse elevada quantidade de estupefacientes nem valores monetários ou outros valores sempre poderiam os arguidos argumentar que o produto estupefaciente apreendido era para consumo próprio, ou alegar que se tratava de mero traficante consumidor e que o dinheiro que tinham em casa resultou da atividade do pequeno barracão / taberna explorada pela M….
Todavia não é isso que evola dos autos, nomeadamente das escutas e efectuadas e dos valores monetários e ouro apreendido em casa da arguida Natália, das declarações que esta prestou em sede de interrogatório e mesmo da forma como o produto estupefaciente apreendido estava acondicionado.
De resto, foram ainda apreendidos em casa de Natália Santos apontamentos com valores monetários e transações monetárias que espelham á saciedade que o dinheiro apreendido é , na sua maioria do arguido  O… e que a atividade que os arguidos têm vido a desenvolver é altamente lucrativa e de dimensão significativa.
Ora, o arguido O... é natural de Cabo Verde e os restantes dois arguidos, pelos laços familiares que os unem, têm igualmente grande ligação a esse país.
Por outro lado resulta dos autos que o arguido O… tem viajado do com frequência quer para cabo verde quer para Alemanha,  como se apurou que tem viagem marcada para Cabo Verde no próximo dia 05.12.2015, conforme resulta de fls. 787 dos autos, pelo que perante  a possibilidade de lhe ser aplicada pena de prisão efetiva sempre  poderá    decidir  fugir  do  pais  e  à  ação  da  justiça,    sendo  seguido  pelos  seus familiares, verificando-se em concreto, o perigo de fuga por parte dos arguidos.
Por outro lado, considerando que a situação económica referida pelo arguido para além do pequeno negócio explorado pela companheira do qual poucos lucros obtém, sendo certo que o mesmo servirá, essencialmente, de fachada para a atividade do tráfico, atividade principal do agregado familiar, tanto mais que era ai onde se faziam grande parte das transações, verifica-se igualmente o perigo concreto de continuação da atividade criminosa por parte dos arguidos.
Acresce que, considerando o elevado nível de organização e experiencia demostrada pelos arguidos, mormente por parte do  arguido O...  (Nana),  verifica a elevada probabilidade que o mesmo, tendo conhecimento do presente inquérito, contacte fornecedores e consumidores, alertando-os para o   presente inquérito e dessa forma obstando que a investigação prossiga com sucesso, nomeadamente para descoberta de onde e com quem os arguidos se abasteciam de produto estupefaciente, com ainda se verifica a seria probabilidade dos os arguidos intimidarem os seus clientes consumidores, a se identificados e intimados a prestar declarações como testemunhas, negarem que adquirissem produto estupefaciente aos arguidos. De igual modo poderá dar indicações à companheira,  ao  filho  e  à  cunhada  nestes  sentido,  pelo  que,  também  se  verifica,  em concreto o perigo de perturbação do inquérito.
Está pois bem de ver que apenas uma medida privativa da liberdade cumulada com proibição e contactos poderá acautelar os perigos que nestes autos se fazem sentir, nomeadamente quanto ao arguido O..., bem como não se mostra suficiente e adequada a medida de coação de termo de identidade e residência relativamente aos arguidos Octávio Jorge e Maria Francisca.

Neste enquadramento, por tudo que ficou dito, conjugando as necessidades cautelares que nos presentes autos em concreto se fazem sentir, a gravidade do crime e a sanção que previsivelmente irá ser aplicada aos arguidos, entende o Ministério Publico que lhe deverão ser aplicadas, cumulativamente, as seguintes medidas coativas, o que se promove ;
Ao arguido O... 
(…)
Aos arguidos O...  e  M…
- Termo de identidade e residência já prestado;
- Obrigação de apresentações periódicas semanais;
- Proibição de se ausentar do país, devendo fazer entrega do respetivo passaporte nestes serviços;
- Proibição de contactar o arguido O... e outros indivíduos ligados ao mundo da toxicodependência e de frequentar lugares conotados com o mesmo, tudo nos termos dos arts 191 a 196, 198 e 200 nº 1 al. a), b) , d) e nº  3, ainda 204 al. a), b)  e c) todos do Código Processo Penal.
Restitua os arguidos Maria Francisca da Cruz da Cruz Santos e OR..., à liberdade.
                (…)

Notifique e comunique. (fim de transcrição parcial)
***
Inconformados os arguidos M... e O... interpuseram recurso, retirando das respectivas motivações as seguintes conclusões: (transcrição)
1 - Os ora recorrentes encontram-se em sujeitos às medidas de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais, proibição de contactar com os demais arguidos, nomeadamente com o arguido Octávio Rocha (esposos e pai), proibição de se ausentar para o estrangeiro com a consequente obrigação de entregar os passaportes, na sequência de detenção efectuada pela PJ e mediante, ao que se julgava até à comunicação da Decisão de que ora se recorre, de alegada detenção em flagrante delito.
2- No entanto, consta da decisão de que ora se recorre que as detenções dos arguidos, foram efectuadas com observância dos artigos 254.° nº 1 aI. a) e 257.° nº 1 aI. a) do Código de Processo Penal, ou seja, foram detidos para ser presentes ao Mmo. Juiz de Instrução porquanto se entendeu, que não se apresentariam voluntariamente perante a autoridade no prazo que lhes fosse fixado.
3- Desconhece-se com base em que elemento se conclui de tal modo, porquanto, nem tais elementos, nem quaisquer outros, foram até ao momento, comunicados aos recorrentes.
4 - Em sede de primeiro interrogatório judicial, foi o Douto Tribunal informado, que os arguidos, se encontravam privados da liberdade desde o início da busca efectuada à sua residência, ou seja desde as 07:00 horas da manhã do dia 12 de Novembro de 2015.
5 - Com efeito desde esse momento, das 07:00 horas da manhã do dia 12 de Novembro de 2015, que os arguidos não mais puderam tomar qualquer decisão sobre os seus movimentos, sendo certo, que mesmo para a realização das necessidades fisiológicas mais elementares, tal como a de urinar, foram sempre vigiadas e acompanhadas pela Policia, tendo os ora recorrentes, quando necessitavam de ir à casa de banho ou até beber agua de pedir autorização, permanecendo e privados da liberdade, por conseguinte, diremos nós, detidos, à guarda da entidade policial, até ao momento em que foram presentes ao Mmo. Juiz de Instrução criminal, no dia 14 de Dezembro pelas 10:35 horas, conforme resulta do auto de primeiro interrogatório judicial.
6 - Pelo que, quando foram presentes ao Mmo. Juiz de Instrução criminal, já havia sido ultrapassado o prazo de 48 horas determinado e imposto pela Lei, artigo 254.° nº 1 aI. a), do código de Processo Penal.
7 - No Despacho que aplica as medidas de coacção aos arguidos pode ler-se “Valido as detenções dos arguidos, as quais foram efectuadas em observância dos artigos 254.° nº 1 al. a), e 257,°, nº 1, al.) do Código de Processo Penal, os quais foram apresentados em juízo dentro do prazo de 48 horas, (cfr artigos 28°, nº 1 da CRP e 141°, nº 1 do Código de Processo Penal), por referência à hora consignada no auto de notícia e detenção constante dos autos a fls. 774 e seguintes" (auto de noticia e detenção esse, cujo conteúdo, o arguido, ora recorrente, à semelhança dos demais elementos nos, cuja paginação se encontra indicada na Douta Decisão que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, desconhece).
8 - No entanto, na resposta dada pela Digna Procuradora à arguição de nulidade deduzida pelos arguidos no auto de primeiro interrogatório judicial, pode ler-se “ ... sendo certo que os mesmos foram detidos na sequência de mandatos de busca e apreensão a residências e ao espaço comercial pelos mesmos explorado nos quais foram encontrados produtos estupefacientes, buscas essas às quais os arguidos assistiram,"
9 - Cumpre aqui esclarecer, que o único conhecimento que os arguidos ora recorrentes têm do conteúdo do processo é o mandato de busca, cuja cópia lhes foi entregue e o auto de apreensão que a recorrente Maria Francisca Rocha se recusou a assinar, por as informações do mesmo constante não se mostrarem correctas. 
10- Isto porque, consta do referido auto de apreensão, que foi apreendido à arguida, ora recorrente, determinada quantidade de produto estupefaciente, ora tal facto não é correcto, porquanto segundo consta do auto, a apreensão de produto estupefaciente foi efectuada num espaço, na via pública. 
11 - Ora tal facto é incorrecto, apenas podendo a ora recorrente afirmar que tal espaço, é um espaço público.
12 - Não podendo ser imputada à ora recorrente qualquer responsabilidade.
13 - Pelo que, a recorrente, tendo-lhe sido comunicado pela PJ que se encontrava detida na sequência de flagrante delito por lhe ter sido apreendido produto estupefaciente, recusou-se a assinar o auto de apreensão, dado que na sua pessoa, na sua residência e no espaço comercial que explora, nada de ilícito foi apreendido.
14 - Pelo que foi pelos arguidos, arguida em sede de primeiro interrogatório judicial a ilegalidade da sua detenção, por ter sido ultrapassado o prazo de apresentação Juiz de Instrução.
15 - Merecendo tal arguição, indeferimento por parte da Mma. Juiz de Instrução.
16 - De qualquer modo e bem mais grave do que ter sido ultrapassado o prazo de apresentação ao Juiz por um pouco mais que um par de horas, arguiram os arguidos a nulidade decorrente de não lhes ter sido comunicado ou sequer dado a conhecer, os factos pelos quais os mesmos vêm indiciados, tendo apenas sido efectuada uma comunicação generalizada do ilícito pelos quais todos os arguidos vêm indiciados, com a mera remissão para as folhas dos autos a que tais elementos se encontram, reitera-se, sem nunca ter sido dado a conhecer, o conteúdo de qualquer desses elementos (folhas, páginas dos autos) que alegadamente sustentam os "fortes indícios" da prática do crime de tráfico de produto estupefaciente por parte dos recorrentes. 
17 - Resulta do auto de primeiro interrogatório judicial, no que concerne ao estipulado no artigo 141.° nº 4 als. c), d) que apenas foi dado conhecimento de uma forma geral, sem determinação de modo, tempo e lugar, que os arguidos vinham indiciados da prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes, tendo-se remetido para determinadas folhas dos autos, que alegadamente sustentam tal imputação, sem que se tivesse dado conhecimento aos arguidos do conteúdo dessas folhas, conforme melhor se apura pela simples audição da gravação e/ou da leitura do auto do primeiro interrogatório judicial, vindo em tal auto de primeiro interrogatório judicial descrito que "nos termos das aI. C), d) e e) do n° 4 do citado arfo 1410 do C. P. Penal, dos motivos da detenção, designadamente dos factos que lhe são concretamente imputados, nos exatos termos da douta promoção que antecede ... ", desconhecendo os recorrentes, até ao presente momento, qual o conteúdo de tais folhas/páginas cuja numeração consta do Douto Despacho de que ora se recorre. 
18 - Entendem os arguidos que tal omissão consubstancia nulidade e por tal motivo em sede de primeiro interrogatório judicial foi pela sua mandatária pedida a palavra e arguida a nulidade nos termos ali constantes, tal arguição de nulidade foi julgada improcedente, porquanto se entendeu que, a comunicação dos elementos cujas folhas se indicaram teve como limite o disposto na alínea e) do artigo 141.°, e que no entender do Tribunal circunstanciar e revelar conforme requerido pelos arguidos põe em causa a investigação que ainda se encontra em curso, podendo dificultar a final a descoberta da verdade, acrescentando-se ainda que "não é este o momento processual em que deve ser dado ao arguido o conhecimento do processo". 
19 - Tal interpretação das alíneas c) d) e e) do artigo 141.° do Código de Processo Penal é ilegal e inconstitucional, conforme infra melhor exporemos. 
20 - O facto de o inquérito estar sujeito a segredo de justiça não significa uma absoluta impossibilidade de acesso ao conteúdo de actos ou documentos necessários para o exercício de direitos, pois tem de se considerar o regime especial de acesso à informação previsto nas normas que regem o 10 interrogatório de arguido detido e a fundamentação da aplicação das medidas de coacção, na origem do qual estão as particulares características e consequências das medidas de coacção privativas da liberdade, e a eventual inutilização de direitos por o seu exercício ter que aguardar fases mais adiantadas do processo, já não sujeitas ao segredo e portanto, onde o contraditório se encontra plenamente assegurado.
21 - Assim, nos termos do art. 141°, n° 4, e) do C. Processo Penal, no âmbito do interrogatório judicial, o arguido é obrigatoriamente e sob pena de nulidade, informado dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, cuja comunicação não coloque em causa a investigação, não dificulte a descoberta da verdade nem crie perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos intervenientes processuais ou das vítimas do crime.
22 - Do mesmo modo e no que concerne à quanto à fundamentação do despacho que aplica medida de coacção, o art. 194°, nº 6, b) do C. Processo Penal determina que dela conste, sob pena de nulidade, a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, desde que a sua comunicação não ponha gravemente em causa, a investigação, não impossibilite a descoberta da verdade, nem crie perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos intervenientes processuais ou das vítimas do crime, dispondo o nº 7 do mesmo artigo que, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n° 6, não podem fundamentar a aplicação ao/s arguido/s de medida de coacção, quaisquer factos ou elementos do processo que não lhe tenham sido comunicados.
23 - A regra é, portanto, a de que, só o que foi comunicado ao arguido pode ser utilizado na fundamentação do Douto Despacho que decrete a medida de coacção a aplicar ao arguido.
24 - Acresce que o nº 8 do art. 194.° do CPP, estabelece um especial direito à consulta do processo, dispondo que, sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 6, o arguido e o seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção, durante o interrogatório judicial e no prazo previsto para a interposição de recurso.
36 - O regime descrito, privativo que é do 1° interrogatório de arguido detido e da fundamentação da aplicação das medidas de coacção, porque regime especial, não é afastado pelas regras gerais do segredo de justiça. 
25 - Aliás, se assim não fosse, careceria de sentido a existência da norma do nº 8 do art. 194° do C. Processo Penal, uma vez que o art. 89° do mesmo diploma já regularia o afastamento do segredo interno em todos os casos, incluindo o acesso a elementos dos autos no 1 ° interrogatório judicial e no prazo do recurso do despacho que aplicou medida de coacção. 
26 - O presente inquérito, pelo que foi dado a conhecer aos recorrentes, encontra­-se em segredo de justiça, por determinação do Ministério Público, desconhece-se desde quando. 
27 - Conforme supra se referiu, tendo-se transcrito, o conteúdo da informação prestada pela Mma. Juíza de instrução aos arguidos durante o primeiro interrogatório judicial, sobre os elementos do processo indiciadores dos factos que lhe eram imputados corresponde apenas à remissão para folhas/páginas dos autos, sem ter sido dado aos mesmos conhecimento do conteúdo dessas folhas/páginas, as mesmas não poderiam, nem deveriam ter sido enunciadas no Douto Despacho que aplicou as medidas de coacção aos arguidos. 
28 - A jurisprudência tanto dos nossos Tribunais, incluindo a do Colendo Tribunal Constitucional, é no sentido do conhecimento dos elementos do processo indiciadores dos factos imputados, segundo a qual, o arguido deverá poder conhecer tais elementos. Tal juízo encontra-se também positivado legalmente nos arts. 141°, n° 4, e} e 194°, b), do C. Processo Penal nos termos dos quais, apenas não haverá lugar, no interrogatório judicial, à informação dos elementos do processo indiciadores dos factos imputados, e não haverá lugar à enunciação destes mesmos elementos na fundamentação do despacho que aplicou medida de coacção ( não se podendo fundar tal despacho nesses índicios), sempre que aquela informação e esta enunciação ponham gravemente em causa a investigação, impossibilitem a descoberta da verdade, ou criem perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.
29 - Daqui resulta que no interrogatório, o Mmo. Juiz de instrução pode não efectuar a informação dos elementos indiciadores, como pode não permitir a sua consulta, se entender estar verificado algum daqueles perigos, não podendo no entanto tais elementos servirem para fundamentar a aplicação de qualquer medida de coacção, para além do TIR prestado. 
30 - No despacho que determinou a sujeição dos arguidos ás medidas de coacção que lhes foram aplicadas, a Mma. Juíza de instrução enunciou na fundamentação os elementos do processo indiciadores dos factos imputados, apenas remetendo para a numeração das folhas/páginas dos autos, nunca indicando qual o conteúdo de tais folhas/páginas, não identificando sequer quais as páginas/folhas que dizem respeito aos ora recorrentes e quais as que dizem respeito aos demais co-arquidos, fazendo uma remessa igual e generalizada para as mesmas páginas/folhas quanto a todos os arguidos sujeitos a primeiro interrogatório judicial, cfr. melhor resulta do auto de interrogatório. 
31 - Acresce que tais elementos, os quais se desconhecem, são os elementos fortemente indiciadores da prática pelos arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo tais elementos sido decisivos para a aplicação aos ora recorrentes das medida de coacção que lhes foram impostas. 
32 - Não obstante a fundamentação da decisão proferida de que ora se recorre e o artº 194°, nº 8 do Cód. Processo Penal conferirem aos arguidos o direito de consulta dos elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção, durante o interrogatório judicial, até à presente data, não tiveram os mesmos acesso a quaisquer elementos probatórios, nomeadamente aos identificados através da numeração das folhas/páginas dos autos no Douto Despacho que decretou a aplicação das medidas de coacção, apesar de o conhecimento dos mesmos se afigurar imprescindível e indispensável ao esclarecimento da verdade e absolutamente essenciais à defesa efectiva dos arguidos e à impugnação do Douto Despacho que em 14 de Novembro de 2015 aplicou as medidas de coacção supra indicadas aos recorrentes. 
33 - Uma vez que no decurso do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que imediatamente precedeu aquele Despacho, os arguidos não foram confrontados com quaisquer elementos probatórios ou sequer com factos concretos deles resultantes, tendo apenas sido confrontados com conclusões genéricas e abstractas, sem determinação de modo, tempo e lugar, no que concerne à imputação do crime de tráfico de produto estupefaciente do qual se encontram indiciados, é patente, em nosso entender e salvo melhor e douta opinião, a violação do disposto no artigo 141.° als. c), d) e e) do Código de Processo Penal, que obriga o Mmo. Juiz de Instrução a indicar os motivos da detenção, a comunicar e a expor aos arguidos os factos e as provas que a fundamentam, obrigação esta que não foi cumprida, porquanto apenas enunciou a numeração das páginas/folhas dos autos em tais elementos se encontram, reitera-se, nunca tendo os arguidos sido informados do conteúdo de tais páginas.
34 - Ora, para os arguidos saber, que há uma informação de serviço, uma cota, um fotograma, uma diligência externa a páginas 7, 8 ou 700, sem saber o conteúdo é absolutamente o mesmo que saber que tais informações constam a fls, 3, 5 e 500, pois, desconhecendo o conteúdo de tais elementos, não podem os arguidos, exercer plenamente o seu direito de defesa. 
35 - Acresce ainda, tal como supra se referiu, que tal indicação (a numeração das folhas/páginas) é comum aos demais co-arguidos sujeitos a primeiro interrogatório judicial, pelo que se questiona: o que constará de tais informações? a título de exemplo e "às cegas" pois é assim que ainda se encontram os arguidos, a informação de serviço de fls, 284, é indiciadora de ilícitos praticados por si?, é indiciadora de ilícitos praticados por outros arguidos dos autos? quais arguidos? Alegadamente a fazerem o quê?, o mesmo se aplica às cotas, às diligências externas, aos fotogramas, às folhas identificadas como ", 62, 66 a 72, 100 a 102, 134a 13q 147a 150, 173a 175,202 a 205,224 a 227,245 a 247,332,419 a 422, 438 e 439, 453 e 454, 466 a 468, 491 a 494, 570 a 575, 684 a 686, 733 e 7345, as quais o arguido não dispõem também, de qualquer informação sobre o que contêm, não sabendo sequer se existe alguma, cujo conteúdo seja indiciador, da prática por si, de qualquer ilícito criminal, mormente o ilícito penal pelo qual o mesmo vem indiciado, tráfico de produtos estupefacientes; as informações de fls. 64, 65, ,95 e 96, 361 e 488 que os arguidos desconhecem quais sejam e a quem dizem respeito, às reportagens fotográficas cujas páginas em que constam nos autos também se indicam no auto de interrogatório, à certidão cujo teor da mesma também se desconhece na íntegra, e por fim às escutas, que nem sequer se sabe se estão ou não transcritas, quanto mais, qual o teor das mesmas, e se são conversações da sua autoria, da autoria de qualquer dos outros co-arguidos, já para não referirmo­-nos ao conteúdo de tais conversações,
36 - A base dada aos arguidos foi, os senhores vêm indiciados pela prática do crime de tráfico de produtos estupefaciente, pelo menos desde Janeiro deste ano - Estamos em Novembro -, os senhores auxiliavam o co-arguido Octávio Rocha na preparação e venda e entregam-lhe o dinheiro resultante da venda, existem elementos de prova nos autos a fls. x, y, z, f, h, os quais, nos termos legais, os senhores só têm de saber os números das páginas e não o seu conteúdo, querem falar sobre isto? 
37 - Como é óbvio os arguidos tendo em conta a violação do seu direito à defesa, optaram, a conselho da sua mandatária por exercer, uma vez que consideram violados os seus mais elementares direitos de defesa consagrados constitucionalmente, ao silêncio, pois em bom rigor, é impossível os arguidos defenderem-se de factos que desconhecem. 
38 - Sequer lhes foi indicado que no dia x ou y, já para não nos referirmos à hora e local, que os arguidos tiveram qualquer tipo de comportamento e que pela sua acção ou omissão Indiciasse que nesse dia tivessem praticado algum tipo de ilícito, mormente o de tráfico de produtos estupefacientes.
56 - A mera remissão para numeração das folhas do processo, cujo conteúdo não foi dado a conhecer aos arguidos, não tendo estes, em momento algum sido confrontados com quaisquer factos concretos que indiciariamente lhes são apontados e respectivos elementos probatórios que foram avaliados como constituindo fortes indícios no despacho que decretou as medidas de coacção que lhes foram aplicadas, não preenche a obrigação imposta pelo artigo 141.° als. c), d) e e) do Código de Processo Penal. 
39 - A interpretação do artigo 141.° nº 4 als. c), d) e e), no sentido de que, basta para o cumprimento deste normativo, a remissão para folha/páginas dos autos, sem que seja dado a conhecer aos arguidos o conteúdo das mesmas, informando apenas genérica e abstractamente o tipo de ilícito, não concretizando as circunstância, o tempo, modo e lugar que determinaram a imputação aos arguidos de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p, e p. no DL 15/93 de 22/01, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído nos artigos 27.° nº 4, 28.° nº 1, e 32.° da CRP, que impõe que seja dado a conhecer ao arguido tais elementos, inconstitucionalidade esta, que desde já se argui com as devidas consequências legais. 
40 - Pois entende-se que para o cumprimento de tal normativo, é essencial que o Mmo. Juiz de Instrução conheça a/ causa/s que determinaram a detenção dos arguidos e que as comunique a estes, imediatamente e de forma compreensível, as razões da sua detenção dando-lhe oportunidade de defesa.
41 - A interpretação do artigo 141.0 do CPP, aplicada no Douto Despacho de que ora se recorre é violadora das garantias constitucionais de defesa, mormente as consagradas no artigos 27º nº 4, 28.0 nº 1 e 32.0 da Constituição da República, por ter sido vedado o conhecimento ao arguido das peças processuais essenciais à sua defesa, uma vez que tal como já se disse, tais peças processuais são indicadas no despacho recorrido apenas em função da sua numeração nos presentes autos. 
42 - Para poder fundamentar devidamente a oposição ao decretamento de uma qualquer medida de coacção (para além do TIR), é importante que os arguidos possam ter um exacto conhecimento de todos os fundamentos de facto em que assenta a conclusão de Direito que pretendem atacar, e logo é necessário que possam ter acesso aos elementos de prova nos quais se alicerça a medida de coacção que pretendem impugnar, existindo na lei disposições expressas que contemplam tal solicitação, artigos 141.0 nº  4 aI. c), d) e e) e 194.° nºs 6, 7 e 8. Ambos do Código de Processo Penal. 
43 - Vêm os recorrentes arguir desde já a inconstitucionalidade do artigo, 141º nº 4 alíneas c), d) e e), na interpretação que lhes é dada pelo Tribunal do qual se recorre e efectuada no caso concreto, no sentido de que o cumprimento deste normativo se basta com a comunicação de factos genéricos e abstractos, não concretizadores das exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar que determinaram a imputação aos recorrentes do ilícito de tráfico de produtos estupefacientes. 
44 - Tal interpretação coarcta e limita, de forma legal e constitucionalmente inadmissível, as garantias de defesa asseguradas aos arguidos, e em especial viola de forma ostensiva e manifesta o estatuído nos artigos 27,°, nº 4, 28.° nº1 e 32,° da Constituição da República Portuguesa, que impõem ao Juiz que conheça das causas que determinaram a detenção e as comunique ao arguido, imediatamente e de forma compreensível as razões da sua detenção ou prisão, interrogando-o e dando-lhe oportunidade de defesa.
45 - A interpretação que foi dada ao normativo ínsito no artigo 141.° nº 1 e 4 do Cód. De Processo Penal pelo Tribunal a quo é inconstitucional, pois que impediu os aqui recorrentes, no exercício do direito mais elementar de defesa que lhe é conferido, de prestar declarações « ... confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida de cocção», com ostensiva e evidente violação das garantias de defesa asseguradas aos recorrentes pelo artigo 32.° da Lei Funda­mentai e bem assim do principio da legalidade.
46 - Assim, porque da interpretação da disposição processual penal referida, artigo 141.°, nº 1 e n.? 4 alíneas c), d), e e), devidamente conjugada com os artigo 194.° n.os 6, 7 e 8, ambos do Código de Processo Penal e com os artigos 27.°, nº 4, 28.°, nº 1 e 32.° da Constituição da República Portuguesa, decorre expressa e inequivocamente a obrigatoriedade de o Juiz de instrução dar a conhecer e indicar os motivos da detenção aos arguidos e a comunicar-lhes e expor-lhes os factos e as provas que a fundamentam, é manifesta e ostensivamente inconstitucional a interpretação dada a estes normativos pelo Tribunal a quo, inconstitucionalidade que desde já se arguiu com todas as devidas consequências legais. 
47 - Pois a interpretação que lhes foi dada pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal no despacho de que ora se recorre, viola e contende com os preceitos constitucionais plasmados nos artigos 27.°, 28.° e 32.oJ em especial o seu nº 1, 202.oJ nº 2, 203.° e 204. todos da Constituição da República Portuguesa.
48 - Os recorrentes impugnam, por conseguinte a verificação e validade dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção aos arguidos, para além do TIR já prestado, uma vez que, desconhecem, em concreto, quaisquer factos que permitam indiciá-lo pela prática dos ilícitos que lhe são imputados, dado que,
49 - Da fundamentação da decisão que determinou que fossem aplicadas aos recorrentes as medidas de coacção de obrigação de apresentação periódica semanal, proibição de contactos com os demais co-arguidos, mormente o pai e marido que se encontra na situação de prisão preventiva à ordem dos presentes autos, e proibição de se ausentar para o estrangeiro, com a consequente obrigação de entrega de passaporte, não se, extrai nenhum facto concreto, contra o qual os recorrentes possam fundamentada e eficazmente., como é seu direito, defender-se. 
50 - Nunca os recorrentes tiveram acesso ou conhecimento dos elementos cuja indicação consta apenas a remissão para numeração de folhas/páginas dos autos, tais elementos, os quais o Douto Despacho determinou que indiciam fortemente a prática pelos arguidos de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, nunca tiveram a oportunidade de deles se defenderem.
51 - Entendem os recorrentes que no mínimo, deveriam ter sido confrontados com factos concretos que, de algum modo, sustentassem o ilícito que lhes foi imputado, o que não sucedeu, não tendo tido, até ao momento, oportunidade de conhecer os factos que lhes são imputados e de perante essa imputação se defenderem.
52 - Os recorrentes não tiveram acesso a quaisquer elementos probatórios e/ou tiveram conhecimento de factos indiciadores concretos, nomeadamente os identifi­cados (por mera remissão para a numeração das páginas dos autos) no Douto Despacho de 14 de Novembro de 2015, do qual ora se recorre, o que, por lei e constitucionalmente, se impunha. 
53 - Acresce que, não obstante decorrer do disposto no artigo 258.°, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal a obrigatoriedade de enunciação dos factos que motivaram a detenção, no mandado de busca cuja cópia foi entregue à recorrente Maria Francisca Rocha, não é efectuada a enunciação de quaisquer factos, mas tão-só a indicação das incriminações legais decorrentes de eventuais factos alegadamente praticados pelos arguidos.
54 - Verificou-se violação do dever de dar a conhecer aos arguidos os factos que sobre os mesmos impendem, comunicou-se nos precisos termos que consta do auto de interrogatório judicial a que os recorrentes foram sujeitos, em flagrante violação do disposto no artigo 141. nºs 1 e 4, do Código de Processo Penal, que obriga o juiz de instrução a indicar os motivos da detenção, a comunicar e expor-lhes os factos e as provas que a fundamentam, de forma a que qualquer inocente se possa defender. Obrigação que a Mma. Juiz de Instrução Criminal não cumpriu.
55 - Os arguidos só podem exercer efectiva e sustentadamente, o seu direito à defesa e com a eficácia possível, nesta fase processual, contribuir para o debate e esclarecimento da verdade, se e após conhecerem os elementos probatórios indiciários, os factos concretos, em que se apoiou a decisão que impôs as medidas de coacção, Direito expressa, legal e constitucionalmente consagrado. 
56 - Porém, em momento algum foram facultados aos recorrentes quaisquer dos elementos probatórios que fundamentaram a decisão sub judice, ignorando os arguidos quais são os factos em concreto, encontrando-se por conseguinte impedidos de sustentar a falsidade ou fragilidade da prova recolhida no inquérito, uma vez que lhes é vedado o conhecimento das provas em que se fundamenta a imputação dos factos essenciais à sua defesa, já que esses elementos são indicados no despacho de que ora se recorre apenas em função da sua numeração nos presentes autos.
Nestes termos e nos Demais de Direito que V. Exas Doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder e a Decisão de que se recorre ser declarada nula, por interpretação ilegal e inconstitucional do normativo do artigo 141.° nº 4 do Código de Processo Penal, devendo os arguidos recorrentes ficar apenas sujeitos à medida de coacção do TIR já prestado, assim se fazendo DOUTA E COSTUMADA JUSTIÇA.» (fim de transcrição)
***
Magistrada do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso com as seguintes conclusões: (transcrição)
«Os arguidos M... e OR... pretendem que seja declarado nulo o despacho de 14.11.2015, por interpretação ilegal e inconstitucional do art.° 141, n." 4, do Código de Processo Penal. 
Os elementos probatórios obtidos permitem concluir que existem fortes indícios da prática de um crime de tráfico, p. e p., pelo art.° 21º nº 1, do Decreto - Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, pela arguida M... e o cometimento de um crime de tráfico, p. e p., pelo art. 21°, nº 1,do Decreto - Lei n." 15/93, de 22 de Janeiro, pelo arguido OR.... 
Os arguidos M... e OR... foram detidos no cumprimento dos Mandados de Detenção emitidos pelo Sr. Coordenador de Investigação Criminal da Polícia Judiciária - Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, e foi-lhes entregue o duplicado desse Mandado de Detenção, tal como resulta da certidão de fls. 793 e 795, onde constam as suas assinaturas, pelo que tinham conhecimento dos motivos da sua detenção.
Os arguidos M... e OR... não estiveram privados da sua liberdade, desde as 7HOO, do dia 12.11.2015. 
Não foi ultrapassado o prazo de quarenta e oito horas na apresentação dos arguidos M... e OR... a 1.° Interrogatório judicial de arguido detido, já que eles arguidos foram detidos, no dia 12.11.2015, pelas 22H15, e o seu 1° interrogatório judicial iniciou-se pelas 10H30, do dia 14.11.2015, tal como resulta do Auto de interrogatório de arguido de fls. 833 a 865. 
Ao contrário do alegado pelos arguidos M... e OR..., a Mma. Juiz deu cumprimento ao disposto no artº 141°, nº 4, alíneas c), d) e e), do Código de Processo Penal, tal como resulta do Auto de Interrogatório de Arguido do dia 14.11.2015, o qual foi assinado pelos arguidos e respetiva Mandatária Judicial 
Não há dúvida que os arguidos M... e OR... tomaram conhecimento efetivo dos motivos que fundamentaram as suas detenções, a factualidade concretamente imputada e os elementos do processo que indiciavam os factos imputados, já que recusaram prestar declarações sobre os factos em causa.
O despacho proferido pela Mma. Juiz no dia 14.11.2015 não enferma de qualquer nulidade. 
Na aplicação das medidas de coação aos arguidos M... e OR..., a Mma. Juiz atendeu às suas situações, quer pessoais, quer processuais, sendo determinantes para a sujeição a essas medidas coativas a existência, cm concreto, dos perigos de fuga c de continuação da atividade criminosa. 
Tendo em conta o crime indiciariamente imputado aos arguidos M... e OR..., que é grave e bem revelador das suas personalidades, a sua moldura penal, e a ligação que eles mantém com Cabo Verde, já que se trata do país onde nasceu o arguido O..., companheiro da arguida e pai do arguido. e que ele visita regularmente, verifica-se a existência, em concreto, do perigo de fuga, pois que há a forte possibilidade dos mesmos se ausentarem de Portugal para se eximirem à sua responsabilidade criminal.
A verificação do perigo da continuação da atividade criminosa, relativamente aos arguidos M... e OR..., é por demais evidente, pois que eles retiravam os seus rendimentos do crime de tráfico de estupefacientes e esta atividade ilícita permitia a obtenção de dinheiro fácil, por ser uma atividade lucrativa.
Face às concretas circunstâncias do caso, as medidas de coação aplicadas aos arguidos M... e OR... nos autos mostram-se adequadas, proporcionais e suficientes.
Essas medidas de coação aplicadas aos arguidos M... e OR... deverão manter-se e não ser revogadas ou substituídas por outras medidas coativas.
Todavia, Va. Exa. farão com subido saber
JUSTIÇA, » (fim de transcrição)
***
          A Meritíssima Juiz não deu cumprimento do disposto no artigo 414º, nº 4 do Código de Processo Penal, o que é irrelevante para efeitos de apreciação do presente recurso.
       Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a apor o visto.
        Não foi cumprido, por desnecessidade, o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal. 
       Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
II          Fundamentação
1. É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer[2].
Da leitura das conclusões dos recorrentes os mesmos pretendem ver apreciadas por este Tribunal de Recurso, as seguintes questões:
Os arguidos foram presentes para 1º interrogatório judicial e apresentados ao Juiz de Instrução após ter sido ultrapassado o prazo de 48 horas imposto pelo artigo 254º, nº1, alínea a) do Código de Processo Penal;
Aos arguidos não foi dado conhecimento pelo Juiz de Instrução dos elementos probatórios existentes no processo, apenas remetendo para numeração das folhas/páginas dos autos, nunca indicando qual o conteúdo de tais folhas/páginas, não identificando as que dizem respeito aos recorrentes e aquelas aos demais co-arguidos, violando assim o disposto no artigo 141º, nº 4, als. c), d) e e) do Código de Processo Penal;
A interpretação do artigo 141º, nº4 als. c), d) e e) no sentido de que basta para o cumprimento deste normativo, a remissão para folhas/páginas dos autos, sem que seja dado a conhecer aos arguidos o conteúdo das mesmas, informando apenas genérica e abstractamente o tipo de ilícito, não concretizando as circunstancias, o tempo, modo e lugar que determinaram a imputação aos arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no DL 15/93 de 22/01, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído nos artigos 27º, nº4 28º, nº1 e 32º da Constituição da República Portuguesa, que impõe que seja dado a conhecer ao arguido tais elementos.
  
2. Analisando.
2.1 Os recorrentes alegam que foi ultrapassado o prazo das 48 horas estabelecido no artigo 254º, nº1, alínea a) do Código de Processo Penal, alegando que estiveram privados de liberdade desde que se iniciaram as buscas.
Da análise dos elementos constantes dos autos, nomeadamente dos mandados de detenção certificados a fls. 356 (arguida M...) e 359 (OR...) consta como dia e hora de detenção, o dia 12 de Novembro pelas 22 horas e 15 minutos.
É verdade que as buscas se iniciaram pelas 7.00 horas do dia 12 de Novembro de 2014 (cfr. fls. 331 a 334) mas em momento algum consta dos autos que os arguidos recorrentes tenham sido detidos no momento em que se iniciaram as buscas ou em momento anterior àquele que se mostra certificado nos autos de detenção.
Não é pelo facto de os arguidos recorrentes terem, ao que alegam, acompanhado as buscas que os mesmos se encontram detidos. A detenção é um acto formal que deve ser documentado nos autos, como foi, e que tem implicações processuais, não apenas para o prazo de apresentação em juízo, mas também para o exercício dos direitos de defesa. Ora, o que consta documentado nos autos é que os arguidos recorrentes apenas foram detidos no dia 12 às 22he 15m, o que é consentâneo com o despacho que ordenou as detenções e que se encontra junto a fls. 352 a 355 que tem a mesma data e hora.
Não se verifica assim qualquer nulidade decorrente do excesso de prazo para apresentação ao Juiz de Instrução para efeitos de 1º interrogatório judicial.
Improcede assim esta conclusão dos recorrentes.
2.2 Os recorrentes alegam que não foi dado conhecimento pelo Juiz de Instrução dos elementos probatórios existentes no processo, apenas remetendo para numeração das folhas/páginas dos autos, nunca indicando qual o conteúdo de tais folhas/páginas, não identificando as que dizem respeito aos recorrentes e aquelas aos demais co-arguidos, violando assim o disposto no artigo 141º, nº 4, als. c), d) e e) do Código de Processo Penal.
Vejamos o que consta dos autos sobre esta matéria específica.
Da leitura do auto de interrogatório dos arguidos e do despacho proferido, anteriormente transcrito, dúvidas não existem que o Meritíssimo Juiz de Instrução deu conhecimento aos arguidos dos factos pelos quais foram detidos e estão indiciados. Esse conhecimento foi bastante pormenorizado e detalhado incluindo as circunstâncias de tempo, modo e lugar, permitindo cabalmente o exercício do seu direito de defesa e dando cumprimento ao disposto no artigo 141º, nº 4 alíneas c) e d) do Código de Processo Penal.
Também resulta do mesmo despacho, no que respeita aos elementos do processo que permitem tal indiciação, que o conhecimento que foi dado aos arguidos recorrentes foi feito de forma não circunstanciada e por referência a páginas e elementos do processo, sem acesso da defesa a tais elementos.
Vejamos o que consta documentado no auto de interrogatório, incluindo as posições da Ilustre Advogada de Defesa e do Ministério Público e qual o despacho que foi proferido sobre a matéria: (transcrição)
Neste momento pela Mm.ª Juiz de Direito foi dada a palavra à ilustre mandatária dos arguidos, que no uso da mesma disse:
“Entende os arguidos que a comunicação dos factos que sustentam ao juízo o indício da prática de ilícito criminal não se se cumpre com uma generalizada, ou com a indicação das folhas/páginas do processo onde constam tais indícios ou provas, necessitando sim de uma efectiva concretização e conhecimento dos elementos constantes dos que poderão ou não indiciar a prática de ilícito criminal, vêm os arguidos desde já arguir a nulidade da comunicação efectuada porquanto a mesma não concretiza devidamente como impõe a Lei quais os elementos de prova existentes e qual o teor dos mesmos.
Tendo em conta o direito que os arguidos têm ao silêncio e o facto de as declarações por estes prestadas em qualquer momento processual, desde que perante a autoridade judiciária possam ser utilizados em sede de Audiência de Julgamento, os mesmos só poderão conscientemente decidir se farão uso ou não desse direito que lhes assiste após o cabal conhecimento de todos os elementos provatórios existentes nos autos.”
*

De seguida pela Mm.ª Juiz de Direito foi concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, que no uso da mesma disse:

“Nos termos do art.º 141.º, n.º 4, al. e) em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido o Juiz informa ao arguido dos elementos do processo que indiciam os factos imputados mas sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime, ficando todas as informações à excepção da al. a) são os direitos previstos no art.º 61.º, n.º 1 do citado Código, a constar do auto de interrogatório.
Ora  no  que  aos  presentes autos  diz  respeito  e  salvo  melhor  entendimento afigura-se-nos que o disposto no art.º 141.º, al. e) mostra-se cumprido com a ref.ª aos meios de prova e páginas do processo onde se encontram que sustentaram apresentação a 1.º interrogatório de arguido detido dos arguidos aqui presentes, sendo certo que os mesmos foram detidos na sequência de mandados de busca e apreensão residências e ao espaço comercial pelos mesmos explorado nos quais foram encontrados produto estupefaciente, buscas essas às quais os arguidos assistiram.
Por outro lado e querendo os arguidos realizar uma análise mais profunda do processo sempre poderão requerer a sua consulta nos termos do art.º 89.º do C.P.P. sem prejuízo do eventual segredo de justiça.
Face ao exposto entende o M.P. que não foi cometida qualquer nulidade ou irregularidade ao ser apenas comunicado aos arguidos os meios de prova e as respectivas fls. Dos autos em que se encontram sem necessidade de exibição uma a uma aos arguidos.
Por outro lado ainda que se remetam nesta data ao silêncio e após consulta autos sempre poderão requerer a sua audição.
Todavia o Juiz que Preside à presente diligência melhor decidirá.”

*

Seguidamente a mm.ª Juiz de Direito proferiu o seguinte: DESPACHO
“Nos termos do disposto no artº- 141.º, n.º 4, al.s c) e d),do C.P.P, foi comunicado através de leitura os factos que em concreto são imputados aos arguidos, as circunstâncias de tempo, lugar e modo e os motivos da detenção dos mesmos.
Por outro lado foi também comunicado aos arguidos o conjunto dos elementos do processo que indiciam os factos imputados. Assim a comunicação de todos os elementos, que a  ilustre mandatária dos  arguidos mencionou saber a  que  folhas dos  autos se encontram, teve como limite o disposto na al. e) do n.º 4 do art.º 141.º do C.P.P..
No entender do Tribunal circunstanciar e revelar conforme requerido pelos arguidos põe em causa a investigação que ainda se encontra em curso podendo dificultar a final a descoberta da verdade.
Acrescente-se que, conforme referido na promoção antecedente um maior conhecimento do processo não está vedado aos arguidos no decurso da fase de inquérito, não sendo este o momento processual, pelas razões já referidas, o momento em que tal deve ser concretizado.
Pelo exposto, o Tribunal considera que não se verifica a nulidade invocada, julgando-se a mesma improcedente,
Notifique.” (fim de transcrição).
Como se pode ver da transcrição supra referida e do despacho posteriormente proferido sobre as medidas de coacção, aos arguidos recorrentes não foi dado conhecimento circunstanciado dos elementos constantes do processo que permitem um juízo de indiciação e consequente aplicação da medida de coacção.
O artigo 141º, nº 4 alínea e) do Código de Processo Penal, estatui que o juiz informa o arguido, “ (…) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime”.
Da leitura do preceito significa que o juiz deve, em regra e como princípio, dar conhecimento ao arguido dos elementos do processo que indiciam os factos imputados e nos quais se baseia para aplicar uma medida de coacção. Só não o deverá fazer quando o conhecimento por parte do arguido de tais elementos, puser em causa os objectivos do processo, isto é, colocar em causa a investigação, dificultar a descoberta da verdade material ou criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica
ou a liberdade dos participantes processuais ou vítimas do crime.
O que está em causa no preceito com esta “obrigatoriedade de dar conhecimento” é a densificação dos princípios constitucionais, consagrados nos artigos 28º, nº 1, no qual se afirma que na prisão preventiva o detido deve ser presente ao juiz, “(…) devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunica-las ao detido, interroga-lo e dar-lhe oportunidade de defesa e no artigo 32º nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, no qual se estatui que o “processo criminal assegura todas as garantias de defesa” (sublinhados nossos).
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira em relação ao artigo 32º, “(…) este preceito serve também de cláusula geral englobadora  de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. Em «todas as garantias de defesa» engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação”.[3]
O legislador admite restrições ao princípio, previstas na alínea, desde que estejam em causa outros direitos fundamentais, como sejam o da realização da justiça e a protecção dos direitos dos intervenientes processuais.
Como refere Germano Marques da Silva, sobre a publicidade dos actos jurisdicionais em sede de inquérito, “(…)relativamente aos actos jurisdi­cionais atinentes à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial im­porta que sejam públicos e que o arguido tenha efectivamente meios de se defender, o que passa pelo conhecimento das provas contra ele carreadas e que na perspectiva da acusação justificam a aplicação de medidas de segurança”[4]acrescentando, “(…) uma medida de coacção representa sempre a restrição da liberdade do arguido e por isso só na impossibilidade ou em circuns­tâncias verdadeiramente excepcionais deve ser aplicada sem que antes se tenha dado a possi­bilidade ao arguido de se defender, ilidindo ou enfraquecendo a prova dos pressu­postos que a podem legitimar”.[5]
Para aferir da colisão de direitos e da prevalência de um sobre os outros, exige-se uma ponderação fundada e motivada por parte do aplicador do direito, capaz de permitir o seu controlo pelos destinatários. O legislador não se basta, como faz o despacho recorrido, com uma afirmação genérica de, “No entender do Tribunal circunstanciar e revelar conforme requerido pelos arguidos põe em causa a investigação que ainda se encontra em curso podendo dificultar a final a descoberta da verdade.
Dizer isto sem qualquer outro tipo de fundamentação é nada dizer. Põe em causa, porquê? Pode dificultar a final a descoberta da verdade, porquê?
A defender-se a tese constante do despacho estava encontrada a porta para, na fase preliminar do processo, ser suprimido um verdadeiro direito de defesa, escondendo do arguido a quase totalidade dos elementos probatórios existentes nos autos contra ele. Ora, as garantias do processo criminal previstas no texto constitucional e na lei, abrangem todas as fases do processo, incluindo a fase de natureza preliminar que é o inquérito.
Como pode um arguido contraditar em sede de recurso a indiciação efectuada e a medida de coacção aplicada, se não tem conhecimento dos elementos constantes do processo que permitiram tal indiciação, apesar de os mesmos terem servido para a fundamentar e para a aplicação da medida de coacção? Defende-se como?
A resposta é só uma - não pode. Nem defender-se, nem contraditar.
Na verdade, a questão deve colocar-se num momento anterior ao próprio interrogatório judicial e ao despacho de aplicação da medida de coacção.
Se o Ministério Público quando apresenta o detido para primeiro interrogatório judicial e aplicação de uma medida de coacção, entende que existem elementos que constam do processo que não devem ser do conhecimento do arguido ao momento desse primeiro interrogatório, por razões de segredo de justiça ou pelos motivos materiais que são referidos na alínea e), do nº 4 do artigo 141º do Código de Processo Penal, não deve fazer assentar a indiciação, nem a promovida aplicação da medida de coacção, nesses elementos do processo. O que não pode é assentar a indiciação em tais elementos e depois pedir ao Juiz de Instrução que esconda do arguido esses mesmos elementos.
Impõe-se ao Juiz de Instrução não sufragar essa pretensão de “utilizar mas esconder”, porque isso viola os mais elementares direitos de defesa do arguido e não permite um processo justo e equitativo, mesmo na fase preliminar do processo, a qual, como sabemos, tem repercussões ao longo de todo o processo.
Neste enquadramento convirá relembrar que o interrogatório do arguido é, por um lado um meio de prova e, por outro um meio de defesa, o qual só é assegurado se lhe for dado a conhecer os elementos do processo que existem contra ele e que justificam a aplicação ao mesmo de uma medida de coacção,[6] sendo certo que o mesmo é legalmente considerado um sujeito processual, com um conjunto de direitos e deveres, o primeiro dos quais é o direito de defesa.
 Mas se por um lado a tese sufragada no despacho em crise é contrária ao direito positivo, a mesma é, verdadeiramente uma repristinação do passado. Na realidade, a Lei 48/2007 de 29 de Agosto, que alterou o Código de Processo Penal nos termos em que hoje se encontra positivado, mais não fez do que traduzir em espírito de lei os ensinamentos que resultavam da jurisprudência do Tribunal Constitucional sufragada nos acórdãos 121/97 e particularmente nos acórdãos, 416/2003[7] e 607/2003 nos quais foi entendido que ao arguido deve ser dado conhecimento dos factos que lhe são imputados e também das provas que permitem a indiciação dos crimes que justificam a aplicação ao mesmo de uma medida de coacção.
Diremos ainda, no entendimento sufragado pelo Tribunal a quo que se o arguido não pode cabalmente defender-se, também este Tribunal ad quem fica limitado nos seus poderes de apreciação, já que está impossibilitado de sindicar o despacho que “utiliza e esconde” do arguido os elementos do processo, por o mesmo não estar motivado e, nessa medida, ser impossível, em sede de recurso, sindicar um despacho não motivado.
Em resumo, entendemos não ter o Tribunal a quo dado cabal cumprimento ao disposto no nº 4 alínea e) do artigo 141º, do Código de Processo Penal, tendo, em consequência, razão os recorrentes.
Chegados aqui impõe-se saber quais as consequências de tal procedimento não conforme ao direito.
O artigo 141º, nº 4 alínea e) impõe que o Juiz de Instrução informe o arguido dos factos e dos elementos do processo.
Por sua vez o artigo 194º, nº 6, alínea b), relativo à audição do arguido e despacho de aplicação de medida de coacção, obriga, sob pena de nulidade, à fundamentação do despacho de aplicação de medida de coacção no que respeita à, “(…) enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime”.
Como se pode constatar da comparação dos pressupostos do artigo 141º, nº 4, alínea e), (relativo ao dever de informação do arguido) e o artigo 194º, nº 6, alínea b), (relativo à fundamentação do despacho de aplicação da medida de coacção), o legislador exige, neste último, que a comunicação não ponha em causa “gravemente”, os referidos pressupostos materiais. Estamos aqui, no que respeita ao despacho de aplicação da medida de coacção, perante uma exigência mais consubstanciada. Não basta pôr em causa o que consta do artigo 141º, nº 4, alínea e), exige-se que o pôr em causa seja grave. Percebe-se que assim seja, já que a aplicação das medidas de coacção é limitadora dos direitos fundamentais e, nessa medida, exige-se que tal limitação tenha na base a colocação em crise, de forma grave, de outros direitos fundamentais.
Assim sendo, como nos parece evidente, sempre que o despacho de aplicação de uma medida de coacção, não tiver efectuado a enunciação nos exactos termos constantes do artigo 141, nº 4, alínea e), do Código de Processo Penal, está ferido de nulidade.
Na verdade, não é defensável, por violação do direito de defesa, que o arguido seja informado de forma restritiva dos elementos do processo e depois o despacho de aplicação da medida de coacção contenha, nessa enunciação, mais elementos que aqueles que foram mostrados e dos quais o arguido foi informado ao momento do interrogatório. Estaríamos em presença de uma verdadeira decisão surpresa da qual o arguido não poderia defender-se, por ausência de conhecimento.
Esta nulidade acarreta a invalidade do despacho[8] que decretou a medida de coacção, devendo o acto ser repetido com cabal e integral cumprimento da alínea e) do nº 4 do artigo 141º do Código de Processo Penal, devendo o Meritíssimo Juiz de Instrução informar o arguido dos elementos do processo utilizados para justificar a indiciação e aplicação da medida de coacção (artigo 122º do Código de Processo Penal).
Em resumo, entendemos verificar-se a nulidade invocada pelos arguidos recorrentes, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que previamente informe os arguidos dos elementos do processo que justificam a indiciação e aplicação da respectiva medida da medida de coacção.
Atento o ora decidido fica prejudicada a questão conexa com a inconstitucionalidade invocada.
III         Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto pelos arguidos M... e O... e, em consequência declarar verificada a nulidade do artigo 194º, nº 6, alínea b), do Código de Processo Penal e, nessa medida, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que previamente dê conhecimento aos arguidos recorrentes dos elementos do processo que justificam a indiciação efectuada e a posterior aplicação das medidas de coacção consideradas pertinentes e adequadas.
Sem custas por não serem devidas, atento o vencimento.
Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por vinte e nove páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)
Lisboa, 03 de Março de 2016.
Antero Luís
Decisão Texto Parcial:

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