147/13.3TELSB-H.L1-9 JOÃO ABRUNHOSA SEGREDO DE JUSTIÇA PRORROGAÇÃO DO PRAZO RECURSO RL Data do Acordão: 03-03-2016 Votação: UNANIMIDADE RECURSO PENAL Decisão: PROVIMENTO

Recurso Penal

 Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, relativamente ao Requerente XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 2), foi proferido o despacho de 01/06/2015, constante de fls. 106/107, com o seguinte teor:
         
“…Do adiamento do acesso aos autos nos termos do art° 89° n° 6 do CPP.
Os presentes autos tiveram origem na denúncia apresentada por …, contra o …, bem como, contra …, tendo, inclusive junto documentação.

Como aduzido pelo titular da acção penal, a factualidade denunciada, alicerçada nos demais elementos já carreados para os autos, é indiciadora de uma alegada circulação de fundos obtidos de forma ilícita em Angola.

Versam assim os presentes autos de inquérito, a investigação de factos que a comprovarem-se, são susceptíveis de configurar a prática do crime de branqueamento, p. e p. pelo art° 368°A do CP, precedido pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art° 103° e 104°, ambos do RGIT.
Na sequência das profundas alterações ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, em vigor desde o dia 15 de Setembro de 2007, foi aplicada aos presentes autos o regime de segredo de justiça nos termos do disposto no art° 86° n° 3 do CPP.

Por despacho de fls. 96 a 98, tal decisão foi validade judicialmente.

Como realça o M°P°, houve necessidade de expedir CR às Justiças do Brasil (fls. 1851), pelo que, por despacho de fls. 2081, ao abrigo do disposto no art° 276°, n° 5 do CPP, consignou-se a suspensão do prazo, até 03-06-2015, caso a referida CR não fosse devolvida cumprida, que se presume que não venha a ocorrer.

Assim, face aos crimes investigados, os presentes autos encontram-se sujeitos ao regime de segredo de justiça por um período de 14 meses, ao abrigo das disposições conjugadas nos art°s 89°, n° 6. (?) 276°, ns. 1 e 3 a), 215°, n° 2 e 1°, ai. m), todos do CP, com a suspensão do prazo por 7 meses, ao abrigo do disposto do n° 5 do art° 276° do CPP.

Face ao supradito, o prazo de duração máxima do presente inquérito encontra-se praticamente decorrido (13-06-2015).

Contudo, como aduzido pelo titular da acção penal, a presente investigação não se mostra ainda concluída, nem tão pouco se encontram esgotadas todas as diligências que importa realizar, pelo que, atento a matéria sob investigação nos presentes autos, a publicidade, nesta fase, iria afectar de modo irremediável a investigação em curso, a eficácia das futuras diligências e, bem assim, a descoberta da verdade material sobre os factos ilícitos sob investigação.

Assim, ao abrigo do n° 6 do art° 89° do CPP, defere-se ao doutamente promovido e, determina-se o adiamento, por um período de três meses, do acesso aos autos por parte dos demais intervenientes processuais. …”.

E, em 11/09/2015, o despacho de fls. 109/113, com o seguinte teor:
“…Da prorrogação do adiamento do acesso aos autos.
Os presentes autos tiveram origem na denúncia apresentada por …, contra o … e …, tendo, inclusive junto documentação.
Como aduzido pelo titular da acção penal, a factualidade denunciada, alicerçada nos demais elementos já carreados para os autos, é indiciadora de uma alegada circulação de fundos obtidos de forma ilícita em Angola.

Versam assim os presentes autos de inquérito, a investigação de factos que a comprovarem-se, são susceptíveis de configurar a prática do crime de branqueamento, p. e p. pelo artº 368ºA do CP, precedido pela prática do crime de fraude fiscal  qualificada, p. e p. pelos artº 103º e 104º, ambos do RGIT.

Na sequência das profundas alterações  ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, em vigor desde o dia 15 de Setembro de 2007, foi aplicada aos presentes autos o regime de segredo de justiça nos termos do disposto no artº 86º nº 3 do CPP.
Por despacho de fls. 96 a 98, tal decisão veio a ser validada judicialmente.

Ademais, resulta dos autos que o MºPº, no âmbito dos presentes autos de inquérito,  expediu CR às Justiças do Brasil (vide fls. 1851), pelo que, por despacho de fls. 2081, ao abrigo do disposto no artº 276º, nº 5 do CPP,  foi consignado a suspensão do prazo, até 03-06-2015, caso a referida CR não fosse devolvida cumprida.

Com os fundamentos e facto e de direito que estiveram subjacentes ao nosso despacho proferido em 01-06-2015, de fls. 3089 e 3090, que aqui se dão por reproduzidos, ao abrigo do disposto no artº 89º, nº 6 do CPP, foi adiado, por um período de 3 meses, do acesso aos autos, prazo esse que atinge o seu términus em 13-09-2015.

Por outro lado, verificamos a fls. 3231 e ss. que o MºPº lançou mão dos mecanismos de Cooperação Internacional em Matéria Penal, não afastando a hipótese de outros procedimentos de cooperação virem a ser expedidos.

Acrescenta ainda o MºPº que encontram-se em curso diversas diligências, que reputa de essenciais à descoberta da verdade material.

Neste tocante, segundo a regra actualmente vigente relativa à publicidade do inquérito, o regime de segredo de justiça, apenas pode vigorar nos autos, com a concordância do JIC, durante os prazos estabelecidos na Lei para a realização do Inquérito.

Fora desses prazos, o regime de segredo de justiça pode manter-se, a requerimento do titular da acção penal, por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artº 1º do CPP, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação – ex vi do artº 89º, nº 6 do CPP, na redacção dada pela Lei n48/2007, de 29/08.

Aqui chegados e atento a factualidade aqui indiciada, somos a concordar com o MºPº quando pugna que estão em causa nos presentes autos indiciada criminalidade a que aludem as indicadas als. i) a m) do artº 1º do CPP, estando aqui em causa factualidade ocorrida noutras jurisdições.

Não será despiciendo consignar aqui que, atenta a  redacção dada ao artº 89º, nº6 do CPP, pretendeu o legislador impor um limite temporal ao segredo de justiça e de conferir ao JIC a faculdade/poder de controlar o respeito por esses limites.

Certo é que, quer na doutrina, quer na Jurisprudência, a posição quanto à questão do adiamento e prorrogação do prazo de acesso aos autos, não se vislumbra ser uma questão pacífica, existindo, desde logo, dois entendimentos possíveis quanto ao prolongamento do segredo de justiça.

A questão centra-se, a nosso ver, se a prorrogação do adiamento do acesso aos autos , quanto está em causa criminalidade prevista no artº 1º, als. i) a m) do CPP, pode, no seu conjunto (adiamento e prorrogação) exceder o prazo de seis meses.

Neste tocante, o JIC do TCIC propugna que, quando o objecto dos autos se centra na investigação de criminalidade elencada no artº 1º, als. 1) a m) do CPP, como é o caso concreto, a requerimento do MºPº, devidamente fundamentado, o prazo de prorrogação do adiamento do acesso aos autos a que se refere o artº 89º, nº 6 do CPP, in fine, é fixado pelo JIC pelo período que se revelar objectivamente indispensável à conclusão da investigação, atenta a necessidade imperiosa de se realizar certas diligências de investigação que se reputem de imprescindíveis para a descoberta da verdade material e para a realização da Justiça, sem estar circunscrito pelo prazo máximo de três meses.

Permitimo-nos julgar que este entendimento não fere o artº 20º, nº 3 da CRP, quando estipula que “a lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça”. (sic.)

Neste ponto, consideramos ainda que o arguido, após lhe ser deduzida a acusação, tem o tempo que a lei lhe estipula, para consultar e obter os elementos que considerar essenciais à sua defesa, os quais só  vai poder contraditar em sede de Julgamento, o que não se verifica nos presentes autos, atenta a fase em que se encontro os autos e a inexistência de arguidos constituídos.

Por outro lado, consideramos que em certos tipos de processo, não se justifica sequer a aplicação e subsequente validação  do segredo de justiça, designadamente em crimes de natureza particular ou naqueles em que a investigação, face ao objecto dos autos, se mostra pouco complexa.

Atenta a posição do titular da acção penal e, compulsados os autos,  forçoso é concluir que a investigação ainda não se mostra concluída, porquanto se revelar de extrema complexidade, encontrando-se ainda por realizar diligências, cujos resultados se julgam pertinentes e imprescindíveis para a descoberta da verdade material, designadamente no que tange a apurar o grau de participação de cada um dos envolvidos.

Face à indiciada criminalidade aqui em causa, designadamente a sua natureza, faz com que a investigação destas matérias se revele, normalmente,  complexa e morosa, até pela dependência na obtenção de respostas de outras entidades.

Se os prazos não respeitarem tal complexidade, a investigação  nos processos de maior complexidade e que respeitarem a criminalidade mais danosa socialmente, poderá ficar, desde logo, frustrada de êxito.

Ainda neste sentido, atente-se no douto Aresto do Tribunal Constitucional, Acórdão 428/2008, de 12/08:

“(...) não está condicionado ao limite de três  meses, antes devendo ter como referência o período objectivamente considerado indispensável para a conclusão do inquérito, independentemente de este ser superior ou inferior a três meses”. (sic.)
Por último, vejamos o Acórdão  do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2010, de 15-04-2010, publicado no DR, 1ª Série, nº 94, de 14-05-2010, que fixou jurisprudência:
“O prazo de prorrogação do adiamento do acesso aos autos a que se refere a segunda parte do artº 89º, nº 6, do Código de processo Penal, é fixado pelo juiz de instrução pelo período de tempo que se mostrar objectivamente indispensável à conclusão da investigação, sem estar limitado pelo prazo máximo de três meses, referido na mesma norma”.
Assim, face a tudo o que se disse, atendendo:
- Às diligências de investigação em curso, designadamente no âmbito da cooperação internacional;
- Ao elevado número de indiciados intervenientes;
- À factualidade ocorrida em diferentes jurisdições, importando proceder a aturada análise de diversa documentação bancária e financeira, para além do mais, com vista a esclarecer cabalmente a origem dos fundos detectados, intervenientes na abertura e  utilização das contas bancárias, bem como dos beneficiárias finais.
Assim, face ao supradito defere-se ao doutamente promovido pelo titular da acção penal e determina-se o adiamento do acesso aos autos, pelo período de 12 meses, prazo que se entende objectivamente indispensável à conclusão da investigação, o qual atingirá o seu términos em 13-09-2016 – ex vi do nº 6 (parte final) do artº 89º do CPP. …”.

*
Não se conformando, o Recorrente XXX interpôs recurso das referidas decisões, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 33/62, com as seguintes conclusões:
“…I. O presente recurso vem interposto das decisões proferidas pelo TCIC em 1/6/2015, constante de fls. 3089 a 3090 dos autos supra identificados, e em 11/9/2015, constante de fls. 3307 a 3311 dos mesmos autos, que determinaram, respectivamente, o adiamento por 3 meses da cessação da sujeição dos autos em referência ao segredo de justiça, e a prorrogação daquele período de adiamento por mais 12 meses, ao abrigo do artigo 89.º n.º 6 do CPP.

II. O presente recurso deverá subir imediatamente, ao abrigo do disposto no artigo 407.º 
n.º 1 do CPP por a sua subida diferida tornar absolutamente inútil o eventual resultado da respectiva apreciação, uma vez que dela depende o levantamento do segredo de justiça e a imediata concretização do direito do Recorrente aceder aos mesmos, sendo que o segredo de justiça em causa sempre cessará aquando do termo do inquérito e a falta de acesso aos autos culminará no impedimento do efectivo exercício do direito de defesa do Recorrente quanto a medidas cautelares e probatórias que lhe foram aplicadas.

III. O Recorrente está plenamente dotado de legitimidade e interesse em agir, ao abrigo do artigo 401.º do CPP, porquanto lhe assiste a faculdade de acesso aos autos prevista no artigo 89.º n.º 1 do CPP e virá correspondentemente a beneficiar da procedência do presente recurso, em sede da actuação daquela faculdade processual.

IV. A respeito da legitimidade e interesse em agir que assistem ao Recorrente, sempre se tenha em conta que o facto do mesmo não ter sido ainda constituído arguido nos autos não pode ser um óbice válido ao exercício, pelo mesmo, de faculdades integrantes do estatuto de arguido, designadamente de acesso a elementos dos autos, nos termos dos artigos 89.º n.º 1 e 194.º n.º 8 do CPP; nesse sentido, considere-se o seguinte:
a) Ao abrigo dos artigos 58.º n.º 1 alínea b) e 192.º n.º 1 do CPP, a formalidade de constituição de arguido tornou-se obrigatória para as autoridades no momento em que foi decretada a medida cautelar de arresto preventivo sobre bens do Recorrente por força do despacho proferido pelo TCIC em 7/10/2014;
b) A remissão feita pelo artigo 228.º do CPP para a lei processual civil tão pouco isenta as autoridades dessa constituição de arguido que, além de ser expressamente imposta por disposições específicas do processo penal, traduz um leque de garantias fundamentais previstas na CRP que são, como tal, inderrogáveis;
c) O estatuto de arguido dá corpo às garantias constitucionais em processo penal, que surgem genericamente previstas no artigo 32.º da CRP, com destaque para o já aludido direito fundamental de defesa – devendo esse preceito ser entendido em vista do princípio do acusatório contemplado pelo n.º 5 do mesmo preceito, e o princípio do processo equitativo, que por seu turno surge previsto no artigo 20.º da CRP e merece especial consagração no artigo 6.º da CEDH (aplicável ex vi do artigo 8.º n.º 2 da CRP), bem como do princípio da igualdade de armas entre acusação e defesa que daí promana;
d) Os normativos citados têm, como implicação prática, a primazia da salvaguarda do direito de defesa em detrimento da concreta formalização do estatuto de arguido, porquanto seria contrário ao espírito dessa prerrogativa fundamental fazê-la depender de uma formalidade a cargo das autoridades, que condicionasse, só por si, a efectivação dos princípios do processo equitativo, do acusatório, e da igualdade de armas entre a acusação e a defesa.
e) A doutrina nacional bem como a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem dão pleno respaldo à tese aqui defendida.
V. Uma interpretação dos artigos 61.º do CPP que, escorando-se na falta de constituição de arguido do Recorrente, vá no sentido de negar a faculdade de acesso a elementos dos autos ao abrigo do artigo 89.º n.º 1 do CPP — negando consequentemente legitimidade processual e interesse em agir ao Recorrente — seria inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do processo equitativo contido no artigo 20.º da CRP, e do contraditório previsto no artigo 32.º n.º 1 da CRP, o que se argui expressamente.
VI. Os despachos recorridos, bulem directamente com faculdades integrantes do direito de defesa do Recorrente, limitaram-se a enunciar abstractamente a necessidade de proceder a ulteriores diligências investigatórias, não tendo desse modo cumprido o cabível dever qualificado de motivação — o que traduz o incumprimento do dever de fundamentação das decisões judiciais presente no artigo 205.º n.º 1 da CRP e no artigo 97.º n.º 5 do CPP.
VII. A patente violação do dever, constitucionalmente previsto, de fundamentar as decisões judiciais implica, segundo a melhor jurisprudência, a nulidade dos referidos despachos com fundamento na sua inconstitucionalidade, e que aqui se invoca para efeitos do disposto no artigo 122.º do CPP.
Sem prescindir e admitindo por mera hipótese, sem conceder, que assim não se entenda,
VIII. Sempre a violação do referido dever de fundamentação decorrente do artigo 205.º, n.º 1 da CRP e do artigo 97.º, n.º 5 do CPP acarretará a irregularidade dos despachos recorridos, nos termos do artigo 123.º do CPP, a qual tempestivamente se invoca para efeitos da aplicação o artigo 122.º do mesmo código.
Ainda sem prescindir do exposto, sempre se lhe acrescente o seguinte:
IX. Foi proferida decisão pela Procuradoria-Geral da República em 4/8/2015, na sequência da instauração de incidente de aceleração processual pelo Recorrente, que determinou que o inquérito fosse encerrado dentro de um prazo máximo de 180 dias – o qual terminará em 6/2/2016.
X. A prorrogação da vigência do segredo de justiça pedida pelo DCIAP e deferida pelo despacho recorrido de 11/9/2015 constitui uma directa violação daquela ordem superiormente emitida pela Procuradoria-Geral da República – da qual o DCIAP depende hierarquicamente, nos termos do artigo 9.º n.º 3 do Estatuto do Ministério Público – e como tal acarreta a ilegalidade e consequente irregularidade do despacho recorrido, que aqui se invoca para os efeitos do disposto no artigo 123.º do CPP.
Ainda que não procedam as questões suscitadas supro, o que se admite por mera hipótese de raciocínio e sem conceder, sempre se tenha em conta, decisivamente, o seguinte:
XI. Os despachos impugnados falharam por completo em enunciar premissas válidas que apontem para a sua conclusão da necessidade de adiar e prorrogar o limite máximo de duração do segredo de justiça – tal como seria imposto pelo artigo 89.º n.º 6 do CPP, conjugado com o artigo 97.º n.º 5 do mesmo código – e os supostos fundamentos enunciados nesses despachos denotam uma total falta de ponderação dos valores e interesses afectados pela manutenção do segredo de justiça.
XII. As decisões em crise impõem restrições ao direito de acesso aos autos do Recorrente, bem como ao seu direito de defesa, de forma totalmente desproporcional, em função dos alegados benefícios decorrentes dessa manutenção.
XIII. A decisão proferida em 11/9/2015 não demonstra, especificamente, por que motivos a prorrogação de 12 meses corresponde a um "prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação", nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.º n.º 6 do CPP.
XIV. Os despachos recorridos, ao protelarem o segredo de justiça – num caso, por adiamento, e no outro por prorrogação – sob pretexto da necessidade de dar continuidade à investigação por mais 12 meses, incumpriram ostensivamente a norma presente no artigo 89.º n.º 6 do CPP, na qual buscam arrimo, bem como o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º da CRP – e devem por isso ser declaradas ilegais e, consequentemente, revogadas, mais devendo determinar-se a cessação da sumiço dos autos a segredo de justiça, por aplicação do artigo 89.º n.º 6 (1.ª parte).
Nestes termos deverá este Venerando Tribunal apreciar as questões supra expostas, julgando o presente recurso totalmente procedente, e declarando em consequência:
a) A nulidade dos despachos recorridos nos termos do artigo 122.º do CPP, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do dever de fundamentação presente no artigo 205.º da CRP e no artigo 97.º n.º 5 do CPP; ou, caso assim não se entenda, o que só por hipótese se admite,
b) A irregularidade dos mesmos despachos, ao abrigo do disposto no artigo 123.º do CPP, por violação do referido dever de fundamentação; e, em qualquer dos casos,
c) A irregularidade do despacho recorrido proferido em 11/9/2015, por consubstanciar uma violação à ordem emanada da Procuradoria-Geral da República, constante de despacho proferido em 4/8/2015, de encerramento da fase de inquérito dentro de prazo cujo termo ocorrerá em 6/2/2015; Ainda que não proceda a invocação das irregularidades supra expostas, o que se concebe por hipótese e sem conceder, sempre se considere o seguinte:
d) A revogação dos despachos recorridos, por violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º n.º 2 da CRP e subjacente à faculdade concedida ao Tribunal a quo pelo artigo 89.º n.º 6 do CPP. …”.
*
Respondeu a Exm.ª Magistrada do MP, nos termos de fls. 64/71, nos seguintes termos:
“…4. Posição do Ministério Público
a) De acordo com o que dispõe o art° 89° n° 6, primeira parte, do Código de Processo Penal, que "findos os prazos previstos no artigo 276°, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses (..)" – sublinhado nosso.
E, de acordo com o que dispõe o art 97° n° 5 do mesmo diploma legal, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
"(..) as decisões judiciais devem indicar de forma suficiente os motivos em se fundamentam, mas a extensão deste dever pode variar segundo a natureza da decisão, devendo ser analisado segundo as circunstâncias de cada caso (..)"[1]
E, de acordo com o disposto no art° 118° n°s 1 e 2 do Código de Processo Penal a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determinam a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. E no caso em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
A omissão de fundamentação de um despacho não se encontra no elenco dos art°s 119° e 120°, ambos do CPP, e, ao contrário da omissão de fundamentação de uma sentença, a nulidade não se mostra cominada na lei, para o acto decisório a que nos estamos a reportar e para os despachos judiciais proferidos no processo (cf. art° 379° do Código de processo Penal).
Pelo que, e a ter ocorrido omissão de fundamentação como alega o Recorrente, ela constituiria tão só uma irregularidade processual, nos termos do art° 123° do Código de Processo Penal[2], a qual, para determinar a invalidade do acto, deveria ter sido invocado nos três dias subsequentes à data da notificação dos despachos em causa (art° 123° n° 1 do CPP), o que, manifestamente não ocorreu.
Entendemos, porém, não ter ocorrido qualquer omissão de fundamentação, já que o despacho recorrido e proferido no dia 1 de Junho de 2015 contém a fundamentação necessária para concluir pela necessidade de ser prorrogado o acesso aos autos por mais três meses.
O mesmo se dirá quanto ao despacho com data 11 de Setembro de 2015.
De acordo com o que dispõe o art° 89° n° 6 do CPP supracitado, última parte, o prazo de três meses, pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do art° 1°, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.
Requisitos e exigências da prorrogação são tão só e apenas a verificação de que a criminalidade indiciada seja aquela a que aludem as alíneas i) e m) do art° 1 do CPP, e que tal prazo seja objectivamente indispensável à conclusão da investigação.
O despacho recorrido alegou que a criminalidade a investigar se reconduz àquelas alíneas e que o prazo concedido, perante a necessidade, por exemplo, de se aguardarem respostas a pedidos de cooperação internacional, são objectivamente indispensáveis para se concluir a investigação.
A fundamentação exigida e necessária está contida no despacho recorrido, mesmo que sinteticamente, tanto que, mais não exige, em nosso entender, o preceito em causa.
É possível perceber pela leitura de tal despacho qual a criminalidade em investigação, quais as diligências que ainda se mostram por concretizar e que, ponderadas as circunstâncias da experiência comum e da normalidade, a conclusão das mesmas não será atingida antes do prazo fixado para a vigência do segredo de justiça.
Fundamentos também se encontram para que se conclua, pela leitura do despacho recorrido, que o acesso aos autos prejudicaria a investigação ainda em curso.
Acresce referir que os direitos de defesa, como o Recorrente bem sabe, nunca estiveram afectados no âmbito destes autos, já que não foi o segredo de justiça que impediu que o Recorrente fosse notificado e impugnasse as decisões que o afectaram.
b) Quanto à decisão proferida pela PGR, no âmbito de um incidente de aceleração processual, como refere Paulo Pinto de Albuquerque, "nem o superior hierárquico do magistrado do MP ao decidir o incidente de aceleração processual está vinculado ao sentido da decisão do juiz sobre o pedido de prorrogação do segredo interno, nem o inverso (..)", ou seja, não está o juiz vinculado à decisão da PGR no âmbito do art° 89° n° 6 do CPP.
Desde logo porque não são as decisões hierárquicas da magistratura do Ministério Público que vinculam o JIC e também porque as decisões se debruçam sobre questões distintas, quais sejam o segredo interno e a observância dos prazos processuais.
"(..) A concessão judicial da prorrogação do segredo interno não prejudica o incidente de aceleração processual. Ou seja, sendo excedidos os prazos previstos na lei para o inquérito, pode haver lugar a um pedido de aceleração processual, independentemente de ter havido concessão da prorrogação do segredo interno. São incidentes diferentes: o art° 89° n° 6 dia apenas respeito á prorrogação do segredo interno, o art° 108 concerne ao controlo da observância dos prazos da fase processual (..)"[3].
Dir-se-á, contudo e apenas, que ao contrário do que alega o Recorrente os 180 concedidos para conclusão da investigação, não são peremptórios já que é admitida a possibilidade, a título excepcional, de mediante requerimento fundamentado o Ministério Público poder tal prazo ser prorrogado (fls. 45 e 46 dos Autos de Aceleração Processual).
Pelo que nunca tal decisão da PGR poderia afectar a decisão ora em recurso,
Pelo sumariamente exposto, entende-se que os despachos proferidos, face à exigência do art° 89° do CPP e 97° n° 5 do mesmo diploma legal, encontram-se suficientemente fundamentados não padecendo, por isso, de qualquer vício. E, mesmo que tal não ocorresse a omissão de fundamentação só configuraria uma irregularidade processual, não arguida no prazo de três dias para tal estabelecido, estando, por isso, validada.
5. Assim e concluindo:
Pelo, sumariamente, exposto, entende-se que deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra os despacho recorridos. …”.
*
            O Exm.º Juiz recorrido sustentou as suas decisões a fls. 115.
*
Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, a fls. 124/125, pronunciou-se pela rejeição do recurso, considerando que tais decisões não são recorríveis.
*
A este parecer, respondeu o Recorrente, nos termos de fls. 128/135, em suma, pugnando pela recorribilidade do despacho e suscitando a aplicação ao presente caso da decisão, proferida noutro apenso deste processo, que julgou os tribunais portugueses absolutamente incompetentes para conhecer dos factos que constituem o objecto dos autos principais.
*
É pacífica a jurisprudência do STJ[4] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[5], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões, tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a apreciar no presente recurso são as seguintes:
I – Recorribilidade dos despachos em crise (questão suscitada pelo Exm.º Prcurador-Geral Adjunto neste tribunal);
II – Caso julgado sobre a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para apreciar os factos sob investigação nos autos principais (questão suscitada pelo Recorrente na resposta ao parecer do MP);
III – Falta de fundamentação dos despachos recorridos;
IV – Falta de requisitos materiais para o adiamento e a prorrogação do segredo de justiça decididos nos despachos recorridos.
*
Cumpre decidir.
I – Contrariamente ao que acontece nos casos previstos no art.º 86º/2/5 do CPP[6], o art.º 89.º/6 do CPP não prevê a irrecorribilidade dos despachos que decidem o adiamento e a prorrogação do segredo de justiça, pelo que, nos termos do disposto no art.º 399º do CPP, tais decisões são recorríveis[7].
*
II – No apenso “C” destes autos, por acórdão de 26/03/2015, transitado em julgado, foi declarada a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para procederem criminalmente contra o Arg. pelos factos que constituem o seu objecto.
            Tendo havido recurso e neste decisão sobre sobre determinada questão processual, nunca podia deixar tal decisão de produzir o efeito de caso julgado formal, porque, das duas uma, ou o recurso e a respectiva decisão eram completamente inúteis e então não podiam ser admissíveis, ou a lei admitia que num mesmo processo e sobre uma mesma questão houvesse mais do que uma decisão, contraditórias entre si.
            Ora, é precisamente a este último efeito que pretende obviar o instituto do caso julgado[8].
            Como se afirma no Ac. do STJ de 24/05/2006, relatado por Henriques Gaspar, in CJSTJ[9], II: “…O caso julgado formal constitui noção separada do caso julgado que, como categoria geral (caso julgado material) está construída para a decisão definitiva do direito do caso, nas condições da sua existência, conteúdo e modalidades de exercício; no processo penal respeita à declaração sobre a culpabilidade e determinação da sanção, bem como da não culpabilidade (seja por não pronúncia ou por absolvição).
O caso julgado que fixa, no processo e fora dele, a vinculação de efeitos materiais quanto à definição e concretização judicial da relação controvertida ou objecto material do processo, é o caso julgado material - fixado e estável com fundamento na vinculação às decisões e na realização dos valores da justiça, certeza e segurança, também no âmbito do exercício do direito de punir do Estado em relação ao cidadão arguido da prática de uma infracção penal.
Em processo penal, pode dizer-se que existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos.
O caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial.
O caso julgado formal traduz-se em mera irrevogabilidade de acto ou decisão judicial que serve de continente a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, em inalterabilidade da sentença por acto posterior no mesmo processo (cfr. Castro Mendes, "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", pág. 16).
No caso julgado formal (art. 672° do Cód. Proc. Civil), a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidindo com o fenómeno de simples preclusão (cfr. Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil, Anotado", vol. V, pág. 156).
Há, pois, caso julgado  formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï) - cfr. Acs. do Supremo Tribunal de 23 de Janeiro de 2002, Proc. 3924/01, e de 3 de Março de 2004, Proc. 215/04.
O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.
Em processo penal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade - a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão.
No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui apenas um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.[10].
A esta concepção do caso julgado formal não se tem oposto o Tribunal Constitucional[11].
            Temos, pois, que concluir que, quando uma decisão intercalar possa ser, ou tenha sido, objecto de recurso, com subida imediata, há-de poder formar caso julgado formal.
Nos presentes autos existe caso julgado formal, quanto às questões apreciadas no referido acórdão da Relação de Lisboa, pelo que, uma vez que foi declarada a incompetência absoluta dos tribunais portugueses, se verifica a nulidade insanável prevista no art.º 119º/e) do CPP.
Assim, são nulos os despachos aqui em crise, nulidade que há que declarar.
Tal declaração, atento o objecto do presente recurso, só abrangerá os referidos despachos (art.º 122º do CPP).
Fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas enumeradas em III) e IV).
*****
Nestes termos, nos do art.º 119º/e) e 122º do CPP e nos mais de direito aplicáveis, julgamos provido o recurso e, consequentemente, declaramos a nulidade dos despachos recorridos.
Sem custas.
*
Notifique.
D.N..
*****
Elaborado em computador e integralmente revisto pelo subscritor (art.º 94º/2 do CPP).
*****
Lisboa, 03/03/2016

Abrunhosa de Carvalho
 Maria do Carmo Ferreira

_______________________________________________________

[1] Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, a pag. 327, em anotação ao art° 97° do CPP.
[2] Entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pag. 273, em anotação ao art° 97° do CPP e Acórdão do STJ de 21.02.2007, citado a pag. 329 do Código de Processo Penal Comentado, mencionado na nota 2.
[3] Paulo Pinto de Albuquerque, in CPP, pag 258 e 259.
[4] Supremo Tribunal de Justiça.
[5] “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[6] Código de Processo Penal.
[7] Nesse sentido, ver o acórdão da RL de 08/10/2015, relatado por Maria do Carmo Ferreira, no proc. 3 902/13.0JFLSB-N.L1, inwww.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “…Assim sendo, essa manifestação, obtê-la-á o arguido com a interposição do recurso da respectiva decisão, já que, a decisão que adia e a que prorroga o prazo do segredo de justiça é recorrível nos termos gerais do disposto no artigo 399 do C.P.P. (a contrario do artº. 86 do C.P.P.).“.
[8] “O efeito negativo do caso julgado consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão.” – Ac. do STJ de 02/03/2006, relatado por Costa Mortágua, in CJSTJ, I.
[9] Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
[10] Como se afirma no Ac. da RP de 29/05/2002, relatado por Clemente Lima, in www.gde.mj.pt, processo 0210428: “…Importa (…) relembrar as linhas gerais do instituto do caso julgado em processo penal [No que se avoca a impressiva síntese do acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-12-1997, na Colectânea de Jurisprudência do STJ, ano V, tomo III, pp. 259 e segs. (261) e se remete para os ensinamentos de Cavaleiro de Ferreira, no «Curso de Processo Penal», UC, III, 57 e em O Direito, anos 65.º, pp. 194 e segs. e 67.º, pp. 200 e segs.; Castanheira Neves, nos »Sumários de Processo Penal», pp. 113 e segs.; Luis Osório, no «Comentário ao Código de Processo Penal Português», II, pp. 482 e segs.; Figueiredo Dias, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107.º, pp. 126 e segs.; Beleza dos Santos, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 63.º, pp. 9 e segs.; Eduardo Correia, na Revista de Direito e Estudos Sociais, XIV, ½, em «Caso julgado em processo penal», na Revista dos Tribunais, ano 58.º, pp. 178 e segs. e no «Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz»; Germano Marques da Silva, no «Curso de Processo Penal», III, 2000, pp. 36 e segs.]. 
O fundamento central desta figura, escrevia Beling, radica numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do Direito. 
Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através deste instituto aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. 
Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto [Eduardo Correia, «A Teoria do Concurso em Direito Criminal», Coimbra, 1983, 302]. 
Isto vale quer para o caso julgado material, como para o caso julgado formal, sendo certo que aqui nos interessa considerar apenas este último, dado que a nossa análise apenas incidirá sobre o efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, ao passo que o caso julgado material consubstancia a eficácia da decisão proferida relativamente a qualquer processo ulterior com o mesmo objecto [Cfr. Cavaleiro de Ferreira, «Curso de Processo Penal», vol. 3.º, Lisboa, 1958, pág. 35]. 
O CPP/29, no capítulo das excepções, aludia expressamente ao caso julgado (art. 138.º, 3.º) e, a partir do art. 148.º e segs., regulamentava com algum pormenor a referida excepção, com especial relevo para o caso julgado material e efeitos do caso julgado cível no processo penal. 
No actual CPP, não acontece o mesmo e tal ausência de regulamentação constante e sistemática de matéria tão importante só pode significar, a nosso ver, ou que o legislador entendeu como suficiente para resolver o problema, a aplicação genérica e indiferenciada ao processo penal dos vários normativos que no processo civil tratam a questão, ao abrigo do regime estabelecido no art. 4.º do CPP, ou então que não quis, pura e simplesmente, firmar regras rígidas no processo penal em matéria de caso julgado, dada a natureza deste ramo do Direito. 
Inclinamo-nos decisivamente para esta última posição que se encontra verdadeiramente em harmonia com a especial natureza do processo penal. 
Cremos que é por isso mesmo que não temos assistido, ao contrário do que se passava na vigência do Código anterior, à elaboração dogmática de uma teoria sobre o caso julgado em processo penal, preferindo os autores resolver casuisticamente os problemas relacionados com este instituto. 
Na verdade, a pura e simples aplicação dos princípios e normas que regem o caso julgado no processo civil ao processo penal não se nos afigura legítima, designadamente porque se iria, no fundo, coarctar, limitar e condicionar o princípio da verdade material que constitui o escopo fundamental a atingir no processo penal. Refira-se, em abono disto, o ensinamento de Cavaleiro de Ferreira: «Porque o caso julgado, cortando cerce a possibilidade de busca da verdade material, restringe o ideal de justiça em função da necessidade de segurança, faz-se sentir a sua imodificabilidade com mais rigor no processo civil do que em processo penal, por sua natureza vertido para a justiça real e dificilmente acomodatício às ficções de segurança, obtidas à custa do sacrifício de valores essenciais» [«Curso de Processo Penal», III, 1958, 88]. 
No entanto, não pode, de uma forma absoluta, coarctar-se o recurso ao processo civil nesta matéria, mas o que será indispensável é encontrar um critério que, entrando em linha de conta com as especialidades do processo penal, imponha alguns limites à aplicação em processo penal das normas do processo civil neste domínio e tal critério só poderá encontrar-se no art. 4.º do CPP, o qual aponta, fundamentalmente, para dois pressupostos de tal aplicação, a saber: - a existência de lacunas que não podem ser integradas por aplicação analógica de outras normas do processo penal; e – a harmonização das normas do processo civil a aplicar, com o processo penal.”.
[11] A orientação do TC quanto à matéria do caso julgado penal vem exposta no acórdão 86/2004, de 04/02/2004, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, nos seguintes termos: “…Também o Tribunal Constitucional se pronunciou já sobre o alcance da protecção constitucional do caso julgado, mantendo a orientação desenhada pelo acórdão n.º 87 da Comissão Constitucional.
Assim, e em primeiro lugar, o Tribunal observou por diversas vezes que decorre da Constituição a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a constituir caso julgado.
Com efeito, no Acórdão n.º 352/86 (Diário da República, II série, de 4 de Julho de 1987), considerou “inerente às decisões judiciais insusceptíveis de recurso ordinário” a força de caso julgado, força essa que “se dev[e] arvorar em princípio constitucional implícito, como decorre, ainda, do art. 282º, n.º 3, da CRP". No mesmo sentido, disse-se no Acórdão n.º 250/96 (in Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 1996), que, “para que um Tribunal, qualquer que seja, possa dirimir os conflitos de interesses públicos e privados que lhe são submetidos no exercício da função jurisdicional, é indispensável que as suas decisões, reunidos que estejam certos requisitos, sejam dotadas da estabilidade e da força características do caso julgado”; (cfr., ainda, o Acórdão n.º 506/96, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Julho de 1996).
                Em segundo lugar, o Tribunal Constitucional continuou a afirmar que o caso julgado é um valor constitucionalmente tutelado, nomeadamente no seu Acórdão n.º 677/98 (Diário da República, II série, de 4 de Março de 1999): “É sabido que o caso julgado serve, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica (cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t.II, 3º ed., reimp., Coimbra, 1996, p.494); e que, fundando-se a protecção da segurança jurídica relativamente a actos jurisdicionais, em último caso, no princípio do Estado de Direito (Gomes Canotilho, “Direito Constitucional e Garantia da Constituição, Coimbra, 1998, p. 257), se trata, sem dúvida, de um valor constitucionalmente protegido”.
Em terceiro lugar, reafirmou a ausência da consagração na Constituição de um princípio de intangibilidade absoluta do caso julgado:
                «2.1.2. Entende este Tribunal que o caso julgado deve ser perspectivado como algo que tem consagração implícita na Constituição, constituindo, desta sorte, um valor protegido pela mesma, esteado nos valores de certeza e segurança dos cidadãos postulados pelo Estado de direito democrático - consagrado, quer no preâmbulo do Diploma Básico, quer no seu artigo 2º - e, também, num princípio de separação de poderes - consagrado igualmente naquele artigo e no nº 1 do artigo 111º - e no nº 2 do artigo 205º (a que aquelas outras normas não são alheias), um e outro do actual texto constitucional.
               E entende, identicamente, que o aludido valor, constitucionalmente consagrado, do caso julgado, não se posta como um valor que a Lei Fundamental considere inultrapassável.
               Prova disso, na óptica deste Tribunal, constitui a estatuição constante do nº 3 do artigo 282º da Constituição.
               Na verdade, o legislador constituinte derivado, na revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 8 de Julho, veio a prescrever que da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral ficavam "ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo mais favorável ao arguido".
Dessa prescrição extrai o Tribunal, conjugando-a com os artigos 2º, 111º, nº 1, e 205º, nº 2, que, efectivamente, a Constituição aceita como um valor próprio o respeito pelo caso julgado. Porém, é ela própria, naquele nº 3 do artigo 282º, que vem estabelecer situações de excepcionalidade ao respeito pelo caso julgado; e daí o dever-se concluir que um tal valor se não perfila como algo de imutável ou inultrapassável» (Acórdão n.º 644/98, Diário da República, II Série, de 21 de Julho de 1999).
Por último, e em quarto lugar, o Tribunal Constitucional tem reconhecido que, apesar de não ter valor absoluto a tutela constitucional do caso julgado, uma lei retroactiva não pode “atingir o caso julgado nos casos em que, segundo a Constituição, é proibida qualquer retroactividade, por intermédio de uma lei individual”  (Luís Nunes de Almeida, Portugal, in Constitution et Sécurité Juridique, Annuaire International de Justice Constitutionnelle, XV, 1999, p. 249 e segs.). É o que sucede, como se sabe, com as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (n.º3 do artigo 18º da Constituição), as leis penais incriminadoras (artigo 29º, n.º 1) ou (após a revisão constitucional de 1997) as leis que criam impostos (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 304/01, Diário da República, II série, de 9 de Novembro de 2009).”.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inquérito - Arquivamente - Reclamação Hierárquica - Requerimento de Abertura de Instrução TEXTO INTEGRAL (proc. n.º 1759/11.5TAMAI.P1)

7/15.3JASTB-B.L1-9 Relator: ANTERO LUÍS PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL MEDIDAS DE COACÇÃO ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME RL

NULIDADE DA SENTENÇA. VÍCIOS DA SENTENÇA. RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO RECURSO CRIMINAL Nº 1/14.1GBMDA.C1 Relator: VASQUES OSÓRIO Data do Acordão: 18-05-2016 Tribunal: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE MOIMENTA DA BEIRA) Legislação: ARTS. 374.º, 379.º E 410.º, DO CPP