328/05.3GTALQ.L1-9 CALHEIROS DA GAMA ARMA PROIBIDA ARMA NÃO PROIBIDA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA EXAME PERICIAL RL 18-02-2016 UNANIMIDADE Texto Integral: S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIMENTO

Recurso penal

I - A sentença recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, se perante acusação da prática pelo arguido de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, que se tratava de uma pistola de calibre 6,35 mm, apreendida nos autos, mas não sujeita a exame pericial, não indica qual o comprimento do respetivo cano, já que tal dimensão é elemento do tipo. 


II - Absolver o arguido, que trazia consigo uma pistola de calibre 6,35 mm, não registada e para a qual não possuía licença, escudando-se o Mmº Juiz a quo no argumento de que desconhece o comprimento do cano, dado que o Ministério Público não mandou efetuar um exame à arma, não faz sentido, porquanto estará sempre preenchido in casu um crime de detenção ilegal de arma por parte deste arguido independentemente do comprimento do cano.

Com efeito, se a pistola apreendida, que é de calibre 6,35 mm, tiver um cano que não exceda 8 cm, estamos perante uma "arma de defesa", proibida ao arguido, e se tal comprimento exceder os 8 cm estaremos então face a "arma totalmente proibida", que em circunstância alguma, atentas as suas características, poderá ser classificada como "arma de defesa" e como tal legalizada.

III - O Tribunal de julgamento devia ter oficiosamente determinado o exame pericial à arma, visto o disposto nos art.s 323.º, al. a), e 154.º, ambos do CPP, pelo que, não o tendo feito, determina agora a Relação o reenvio do processo à primeira instância para esse efeito.

(sumário elaborado pelo relator)

Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No âmbito do processo comum n.º 328/05.3GTALQ, do então 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer, atualmente J1 da Secção Criminal da Instância Local de Alenquer da Comarca de Lisboa Norte, e nos termos da acusação de fls. 263 e segs., que aqui se dá por reproduzida, foram submetidos a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, osarguidos:
AAfilho de xxx e de xxx, natural e nacional de S. Tomé e Príncipe, nascido a xxx, solteiro, empresário, com última residência conhecida na xxxx, Seixal, e
BBfilho de xxx e de xxx, natural e nacional de S. Tomé e Príncipe, nascido a xx de xx de 1970, solteiro, empresário, com última residência conhecida na xxx, Paio Pires.
Realizado o julgamento, na ausência dos arguidos, nos termos permitidos pelo artigo 333.º, n.º 2, do Código de Processo Penal  (doravante CPP), porquanto aqueles se encontravam regularmente notificados para comparecer na audiência e não comunicaram ao tribunal qualquer razão para as suas faltas, bem como não apresentaram contestações nem arrolaram testemunhas, por sentença proferida em 3 de novembro de 2008 (cfr. fls. 356 e segs.) e depositada no dia 5 do mesmo mês e ano (vd. fls. 376 e segs.), veio o arguido AA a ser absolvido de um crime de burla, p. e p. nos termos do artigo 217.º, do Código Penal; um crime de burla qualificada, p. e p. nos termos dos artigos 217.°, n.º 1 e 218°, n.º 1, e dois crimes de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.°, n.ºs 1, alínea a) e 3, todos do Código Penal, cuja prática lhe era imputada, em autoria material, concurso real e sob a forma consumada, eo arguido BB a ser absolvido da prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p., à data dos factos, nos termos do artigo 6.°, da Lei 22/97, de 27.06 (por posse da pistola de calibre 6,35mm, que lhe foi apreendida, não registada e municiada com quatro munições), e condenado pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data dos factos, nos termos do artigo 275.°, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 3.°, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 207-A/75, de 17.04[1] (pela posse da navalha de ponta e mola, que lhe foi apreendida), na pena de 180 (cento e oitenta dias) dias de multa, à taxa diária de 5,00 (cinco euros), o que perfaz um total de € 900,00 (novecentos euros), sendo que a prática de ambos os crimes lhe era imputada, em autoria material, concurso real e sob a forma consumada.
Mais foi o arguido BB condenado no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se-lhe a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta, procuradoria em 1/2 (metade) da taxa de justiça, 1% (um) da taxa de justiça a favor do IGFIJ.IP e ainda no pagamento dos honorários da Sra. defensora, bem como foram declarados perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos presentes autos, melhor identificados no auto de apreensão que constitui fls. 47.
2. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão nos seus segmentos absolutórios, interpôs recurso, em 24 de novembro de 2008 (cfr. fls. 380 e segs.), extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"1ª- As doutas dissertações teóricas expendidas na sentença recorrida merecem o nosso total acolhimento, pelo seu acerto e fundamentação com referência aos textos legais mas merecem a nossa mais profunda discordância no que tange à aplicação concreta do Direito.
2ª- Peca, designadamente, no que concerne à absolvição do arguido AA, que em nosso entender deve ser condenado pela prática, em concurso real, de um crime de burla p. e p. pelo artº 217º do Código Penal e de um crime de uso de documento falsificado, p. e p. pelo artº 256º do Código Penal e da absolvição do arguido BB Noronha, no que toca à prática de um crime p. e p. pelo artº 6º do DL 22/97, pelo qual entendemos que igualmente deve ser condenado.
3ª- Na verdade, o nº 9 dos factos provados contem todos os factos que são necessários para que se conclua pelo preenchimento pelo arguido Inácio Bonfim de todos os elementos constitutivos dos crimes de burla e falsificação, designadamente o elemento subjectivo e o dolo específico dos tipos de crime referenciados, que a sentença recorrida tem como omissos.
5ª- Provou-se, designadamente, que “O arguido AA ao proceder nos moldes supra descritos, agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito de determinar CC a entregar-lhe o veículo identificado em 1), bem sabendo que com tal actuação iria causar um prejuízo patrimonial ao proprietário do veículo. Mais sabia que a assinatura aposta no cheque referido em 2) não fora aposta pela sua titular, bem como sabia que a mesma não o autorizara a fazer uso do referido título de crédito.”
6ª- Na verdade, o veículo automóvel reportado na sentença tem um valor patrimonial, tanto assim é que apenas foi entregue ao arguido por CC mediante a contra partida da entrega do cheque titulado por DD.
7º- Provando-se, como se provou, que o arguido agiu com o intuito livre, deliberado e consciente de determinar CC a entregar-lhe o veículo, não é concebível que o arguido tenha agido com outro intuito que não fosse o de receber o veículo e assim auferir o beneficio patrimonial correspondente ao valor desse mesmo bem. (vd. o citado ac. STJ de 13.02.08)
8ª- Do mesmo modo, ao constar como provado que “a assinatura não fora aposta pela sua titular (leia-se, do cheque), bem como sabia (o arguido) que a mesma não o autorizara a fazer uso do referido título de crédito” não se pode equacionar outra situação que não seja a da existência do dolo específico de causar prejuízo a terceiro, ainda que sob a forma de dolo eventual- 14º al. c) do Código Penal porquanto este, no mínimo, representou a verificação do prejuízo como consequência possível da sua conduta e actuou conformando-se com essa verificação.
9º - Ou seja, embora a matéria fáctica apurada e constante da acusação recebida não reproduza ipsis verbis o texto legal, a verdade é que a mesma é bastante clara no sentido da determinação do dolo exigido pelo preenchimento do tipo e, consequentemente, permite a defesa do arguido relativamente aos tipos de crime que lhe são imputados e pelos quais é julgado porquanto é clara a imputação assim como é, a nosso ver, claro, o preenchimento do elemento constitutivo do crime, pelo que se impõe a condenação do arguido Inácio pela prática dos crime de burla e falsificação pelos quais a acusação foi doutamente recebida.
10º- Discorda-se ainda da absolvição do arguido BB no que concerne à prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data dos factos, pelo artº 6º da Lei 22/97, de 27.06 porquanto nos p. 7 e 8 foram dados como provados os factos integradores do ilícito criminal pelo qual a acusação foi recebida e, na mesma sentença, foi a arma declarada perdida a favor do Estado porquanto a mesma não se encontra registada nem manifestada, sendo manifesta a contradição existente no próprio texto da decisão recorrida.
11º- Ainda que assim não se entendesse e se entendesse necessário exame determinativo do comprimento do cano da arma, cumpria ao Tribunal proceder a esse exame porquanto tal decorre do principio da investigação, impondo-se a intervenção do Tribunal, como poder-dever, quando se entenda a diligencia imprescindível e necessária à descoberta da verdade - artº 323º al. a) do Código de Processo Penal.
13º[2]- É o que resulta do sistema acusatório temperado pelo sistema da investigação objectiva e imparcial do Tribunal - cfr. entre outros, Ac. STJ de 18.12.97, proc. 413/97 e Ac. Da Rel de Lisboa proferido sobre o P.C.S. 49/02.9 GTALQ deste Juízo e comarca, supra citado.
14º- Padece assim a douta sentença recorrida do vício de contradição insanável da fundamentação, no que tange a todas as absolvições de que ora se recorre, vicio a que alude o artº 410º do Código de Processo Penal.
15º- Violou ainda a douta sentença o disposto nos artº 217º e 256º do Código Penal, ao considerar não preenchidos os tipos de crime indicados, por ausência do elemento subjectivo e do dolo específico, porquanto a matéria assente em sentença (artº 9º) é a necessária e suficiente para o respectivo preenchimento.
6º- Termos em que revogando a douta decisão recorrida e condenado os arguidos AA pela prática, em concurso real, de um crime de burla p. e p. pelo artº 217º do Código Penal e um crime de uso de documento falsificado p. e p. pelo artº 256º nº 1 c) e 3 do Código Penal e condenando ainda o arguido BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artº 6º nº 1 da lei 22/97, farão V.ª Ex.ª a costumada JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

3. Decorridos quase sete anos sobre a prolação da sentença e a interposição do recurso, foi, em 16 de Outubro de 2015, proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 664.

4. Atente-se que, por dificuldades de localização do paradeiro do arguido BB só em 20 de abril de 2012, isto é decorridos mais de três anos sobre a prolação da sentença, viria a ser pessoalmente notificado para o teor da mencionada decisão, de que lhe foi entregue cópia, e para querendo dela recorrer (vd. certidão de fls. 523), bem como, posteriormente, foi notificado para, querendo, responder ao recurso interposto pelo Ministério Público. No entanto, não houve resposta ao recurso.  

Também por dificuldades de localização do seu paradeiro, apesar das muitas diligências encetadas ao longo de vários anos, nunca foi possível notificar o arguido AA para o teor da sentença proferida nos autos. Por tal motivo, foi prolatado, em 16 de julho de 2015, e cumprido, o despacho judicial de fls. 656, em que se determinou que "Atento o estado dos autos notifique o arguido notificado da sentença e o Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 30º, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal." e, subsequentemente, em 14 de outubro de 2015, o de fls. 664, em que o Mmº Juiz decidiu: "Extraia certidão da decisão proferida nos autos e bem assim de fls. 398 (frente e verso), 413, 437, 438, 462, 492 e 630 e instrua traslado para se continuar a diligenciar pela notificação do arguido AA Bonfim."
Assim se tendo procedido, constata-se ter havido, oficiosamente, separação dos processos, por a conexão a manter-se puder, por um lado, retardar excessivamente o julgamento definitivo do arguido BB e, por outro lado, igualmente representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado também quanto a ele.
Destarte, o que ora desde já consigna este Tribunal ad quem, o recurso do Ministério Público e a sentença que lhe subjaz apenas serão aqui e agora apreciados no que concerne à apurada conduta do arguido BB (…).
   
5. Subidos os autos, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs apenas o seu “visto”, pelo que não careceu de ser dado cumprimento ao disposto no art. 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal (cfr. fls. 671).

6. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
Note-se que perante o exposto supra em I.4., apenas relevam as conclusões, extraídas pelo recorrente, 1ª, 10ª, 11ª e 13ª e ainda 14ª a 16ª, sendo nestas três últimas apenas no que concerne ao arguido BB.
Assim, as questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, reconduzem-se, em síntese, a ter havido na decisão recorrida uma incorreta subsunção dos factos ao direito, no que concerne ao arguido BB e à posse por este da pistola de calibre 6,35mm, que lhe foi apreendida, não registada e municiada com quatro munições, devendo por isso também ser condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, e caso assim não se entendesse e se entendesse necessário exame determinativo do comprimento do cano da arma, cumpria ao Tribunal a quo proceder a esse exame porquanto tal decorre do principio da investigação e do poder-dever de ordenar essa diligencia imprescindível e necessária à descoberta da verdade.

2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto o Tribunal a quo declarou provados os seguintes factos [transcrição integral embora, pelo exposto supra em I.4., apenas aqui relevam os fixados sob os pontos 7, 8, 1 (este tão-só quanto à data e local) e 11 (apenas quanto ao arguido BB)]:
"1)    No dia 02.11.2005, ao fim do dia, o arguido AA dirigiu-se à localidade de xxx, onde abordou CC, convencendo-o a vender-lhe o veículo automóvel, matrícula xx-xx-xx, marca xxx, propriedade de EE, pela quantia de € 15.700,00.
2)      Para concretizar o negócio referido em 1), o arguido AA propôs-se entregar a CC, o cheque n.º xxx, da conta n.º xxx, do Banco xxx, no qual constava, no local destinado à assinatura do titular, o nome de DD.
3)      O arguido AA logrou convencer CC de que se tratava do legítimo possuidor do cheque referido em 2) e assim determinou o segundo a entregar-lhe o veículo identificado em 1).
4)      O cheque referido em 2) não foi apresentado a pagamento, devido à intervenção dos agentes da Guarda Nacional Republicana, que abordaram o arguido
AA à saída do stand.

5)      O cheque referido no facto 10) foi apresentado a pagamento numa agência da Caixa Geral de Depósitos, tendo sido devolvido a FF, sem pagamento, por motivo de extravio.
6)      Os cheques referidos em 2) e em 10) foram subtraídos à respectiva titular, DD, por modo não apurado.
7)      No local e no tempo referido em 1), o arguido BB, sem justificação, tinha consigo, junto ao corpo, uma pistola de calibre 6,35mm, não registada, municiada com quatro munições, e uma navalha de ponta e mola, a qual, enquanto fechada, permite a ocultação dissimulada da lâmina no seu cabo.
8)      O arguido BB ao proceder na forma supra descrita em 7), agiu de forma deliberada, consciente e livre, e tinha a intenção consegui da de deter na sua posse os objectos aí referidos, conhecedor das suas características, bem sabendo que ao manter a navalha na sua posse sem justificação, estava a cometer um crime. Mais sabia que a pistola não é susceptível de ser detida por quem não é titular de licença de uso e porte de arma.
9)      O arguido AA ao proceder nos moldes supra descritos, agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito de determinar CC a entregar-lhe o veículo identificado em 1), bem sabendo que com tal acção iria causar um prejuízo patrimonial ao proprietário do veículo. Mais sabia que a assinatura aposta no cheque referido em 2) não fora aposta pela sua titular, bem como sabia que a mesma não o autorizara a fazer uso do referido título de crédito.
Mais se provou:
10) No cheque n.º xxx, da conta n.º xxx, do Banco xxx, consta, no local destinado à assinatura do seu titular, DD, o nome de DD.
11) Dos certificados do registo criminal de ambos os arguidos nada consta." (fim de transcrição).

Por seu turno, quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos atinentes ao arguido BB e à escolha e medida da pena a este aplicada, que é o que ora importa apreciar, expendeu-se na decisão revidenda:
"Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido BB:
3.2.1) Crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos do artigo 275°, 1 e 3, do Código Penal, com referência ao artigo 3°, 1, alínea f), do Decreto-Lei 207-A/75, de 17.04, actualmente, p. e p. nos termos do artigo 86°, 1, alínea d), com referência ao artigo 2°, 1, alínea ar), ambos da Lei 5/2006, de 23.02:
A Lei 5/2006, de 23.02, que prevê o regime jurídico das armas e suas
munições, revogou o artigo 275° do Código Penal e o Decreto-Lei 207-A/75 (artigo 118º, alíneas o) e c), respectivamente), tendo entrado em vigor no dia 22.08.2006, sendo que os factos da acusação se reportam ao dia 02.11.2005, pelo que, se coloca um problema de aplicação de leis no tempo.

A este propósito estabelece o artigo 2°, 1 e 4, do Código Penal:
"1 - As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.
(...).
4 - Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; (...)""
Concretiza este último normativo legal o princípio da retroactividade da lei penal mais favorável ao arguido, consagrado no artigo 29°, 4, da Constituição da República Portuguesa.
O regime mais favorável será, prima facie, aquele que, ponderado na sua globalidade e face ao caso concreto, se apresente menos gravoso para o arguido.
No caso, face à redacção dos artigos 2°, 1, alínea ar) e 86°, 1, alínea d), ambos da Lei 5/2006, de 23.02, que prevê uma pena de prisão até 3 anos ou multa até 360, em confronto com o artigo 275°, 3, do Código Penal, entretanto revogado, que previa uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, é por mais evidente que o regime legal mais recente, em abstracto, não é mais favorável ao arguido, pelo que se irá aplicar o anterior regime.
 Vejamos, então, o que dispunha o artigo 275°, 1 e 3, do Código Penal:
"1 - Quem importar, fabricar ou obtiver por transformação, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título ou por qualquer meio, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma classificada como material de guerra, arma proibida de fogo ou destinada a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes, radioactivas ou corrosivas, ou engenho ou substância explosiva, radioactiva ou própria para fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos. (…)"
3 - Se as condutas referidas no n.º 1 disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias."
O normativo legal supra transcrito não fornece o conceito de arma, nem o que se deva entender por armas proibidas.
Relativamente ao conceito de arma, prescreve o artigo 4°, do Decreto-Lei 48/95, de 15.03:
"Art. 4º Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim."
No que concerne ao que se deve entender por arma proibida, encontra-se no Decreto-Lei 207-A/75, de 17.04, um elenco do que se consideram ser armas proibidas.
Assim, estabelece o artigo 3°, 1, alínea f), deste último diploma legal:
"1 - É proibida, salvo nos casos previstos neste diploma, a detenção, uso e porte das seguintes armas, engenhos ou matérias explosivas: (…)
j) Armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usadas como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse."
Quanto aos conceitos de armas brancas e armas com disfarce, referem Manuel Leal-Henriques e Manuel Sima Santos (Código Penal Anotado, 3° ed., p. 1221): "Armas brancas são aquelas que se confeccionam a partir do aço polido e que
ferem com a ponta ou com o gume, impulsionadas unicamente pela força do braço (v.g., punhais, adagas, espadas, florestes, lanças, facas, etc.)

São constituídas, portanto, por instrumentos perfurantes e cortantes, na sua maior parte habitualmente utilizados nos afazeres ordinários da vida, embora possam ser utilizados - e são-no muitas vezes - para ferir ou matar.
Armas com disfarce são as armas que apresentam um artificio que as dissimula de modo a não se mostrarem como tal."
Por último, e quanto ao crime do artigo 275°, cumpre dizer que se trata de um crime de perigo comum, como decorre da sua inserção no Capítulo III - relativo a este tipo de crimes, e de perigo abstracto. As condutas descritas por este tipo legal não lesam assim de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicam a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo.
Pretendeu o legislador "evitar toda a actividade idónea a perturbar a convivência social e pacifica e garantir através da punição destes comportamentos potencialmente perigosos, a defesa da ordem e segurança públicas contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade fisica." (Comentário Conimbricense ao Código Penal, lI, Coimbra Editora, 1999, p.889 e 891).
É elemento objectivo do tipo todas acções descritas no tipo de crime em apreço.
É elemento subjectivo do tipo, o dolo, uma vez que o crime não é punido a título negligente.
Expostas algumas considerações teóricas há agora que apurar se a posse da navalha de ponta e mola é ou não susceptível de preencher o tipo de ilícito em apreço.
Da factualidade provada resulta:
- No local e no tempo referido em 1), o arguido BB tinha consigo, junto ao corpo, sem justificação, uma navalha de ponta e mola, a qual, enquanto fechada, permite a ocultação dissimulada da lâmina no seu cabo.
- O arguido BB ao proceder na forma supra descrita, agiu de forma
deliberada, consciente e livre, e tinha a intenção conseguida de deter na sua posse a navalha, conhecedor das suas características, bem sabendo que ao manter a navalha na sua posse sem justificação, estava a cometer um crime.

Mais resulta da experiência comum, que uma navalha de ponta e mola é apta a causar lesões físicas ou a morte, se usada como instrumento de agressão, pelo que sem necessidade de tecer mais considerações, se torna óbvio que o objecto em apreciação é uma arma proibida, enquadrando-se na previsão dos artigos 275°, 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 3°, 1, alínea f), do Decreto-Lei 207-A/75, de 17.04.
Por outro lado, o arguido não apresentou justificação alguma para estar na posse do dito objecto.
É assim evidente que todos os elementos do tipo estão preenchidos.
Inexistem quaisquer causas que excluam a ilicitude da sua conduta ou a sua culpa, uma vez que o arguido podia e devia ter actuado de outro modo, sendo que lhe era exigível não ter na sua posse o objecto em causa, pelo que o seu comportamento é censurável.
Pelo exposto, cometeu o arguido, o crime ora apreciado.
                                                        *
3.2.2) Crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. nos termos do artigo 6°, 1, da Lei 22/97, de 27.06:
A Lei 5/2006, de 23.02, que prevê o regime jurídico das armas e suas munições, revogou a Lei 22/97, de 27.06 (artigo 118°, alínea h)), tendo entrado em vigor no dia 22.08.2006, sendo que os factos da acusação se reportam ao dia 02.11.2005, pelo que, se coloca um problema de aplicação de leis no tempo.
A este propósito estabelece o artigo 2°, 1 e 4, do Código Penal:
"1 - As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.
(...).
4 - Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o
regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; (...)""

Concretiza este último normativo legal o princípio da retroactividade da lei penal mais favorável ao arguido, consagrado no artigo 29°, 4, da Constituição da República Portuguesa.
O regime mais favorável será, prima facie, aquele que, ponderado na sua globalidade e face ao caso concreto, se apresente menos gravoso para o arguido.
No caso, face à redacção do artigo 86°, 1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23.02, que prevê uma pena de prisão até 5 anos ou multa até 600, em confronto com o artigo 6°, 1, da Lei 22/97, entretanto revogado, que previa uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, é por mais evidente que o regime legal mais recente, em abstracto, não é mais favorável ao arguido, pelo que se irá aplicar o anterior regime.
Vejamos, então, o que prescrevia o artigo 6°, 1, da Lei 22/97, de 27.06:
"1 - Quem detiver, usar ou trouxer consigo arma de defesa ou de fogo de caça não manifestada ou registada, ou sem a necessária licença nos termos da lei, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias."
Este ilícito penal trata-se de um crime de perigo abstracto. As condutas descritas por este tipo legal não lesam assim de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicam a probabilidade de um dano contra um objecto
indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo.

Pretendeu o legislador "evitar toda a actividade idónea a perturbar a convivência social e pacífica e garantir através da punição destes comportamentos potencialmente perigosos, a defesa da ordem e segurança públicas contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade fisíca."
É elemento objectivo do tipo o acto de detenção, uso ou trazer consigo arma de defesa ou de caça não manifestada ou registada, ou sem a necessária licença nos termos da lei.
Armas de defesa são todas aquelas que se encontram descritas no artigo 1°, da Lei 22/97.
De acordo com a enumeração inserta no aludido artigo 1 ° do diploma em referência, mais propriamente com a previsão da respectiva alínea b), consideram-se armas de defesa as pistolas de calibre não superior a 6,35 mm, em sistema europeu de medição, cujo cano não exceda 8 centímetros.
É elemento subjectivo do tipo o dolo, uma vez que o crime não é punido a título negligente.
Expostas algumas considerações teóricas, há agora que apurar se a posse da pistola em causa pelo arguido BB é ou não susceptível de preencher o tipo de ilícito em apreço.
No caso, resulta da factualidade provada que o arguido BB trazia consigo um pistola de calibre 6,35 mm, não registada, cujo comprimento do cano se desconhece, dado que o Ministério Público não mandou efectuar um exame à arma.
Ora, ignorando-se o comprimento do cano, não é possível concluir que se trata de uma arma de defesa, pelo que, se impõe a absolvição do arguido da prática deste crime.
                                                        *
3.3) Escolha da Pena para o arguido BB:
Dispõe o artigo 70°, do Código Penal:
"Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
Apurado é que o arguido BB cometeu um crime de detenção de arma proibida nos moldes supra expostos. Para este crime, prevê-se uma pena de prisão a graduar entre 1 mês e 2 anos, ou em alternativa, pena de multa a graduar entre 10 dias e 240 dias.
Embora sejam por demais conhecidas as necessidades de reprovação deste ilícito, atenta a frequência com que se repetem estes casos não são, no entanto, conhecidos quaisquer antecedentes criminais ao arguido, daí que as finalidades da punição se mostrem devidamente asseguradas com a aplicação ao mesmo de uma pena de multa.
                                                        *
3.4) Determinação da medida da pena para o arguido BB:
Na determinação da pena aplicável, devemos recorrer aos critérios fornecidos pelos artigos 40° e 71°, do Código Penal.
O primeiro determina, nos seus números 1 e 2:
"1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da pena. ".
Temos aqui previsto atentos os fins das sanções penais, a prevenção geral negativa (ou de intímação) - porque a pena tem como efeito afastar os potenciais criminosos -, e positiva (ou de integraçãc) dirigida à sociedade na sua generalidade e a prevenção especial dirigido ao arguido.
O segundo estabelece:
"1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a)      O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou
motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando
esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena."
Ou seja, de acordo com este último artigo há que ponderar todas as
circunstâncias que são a favor do agente ou contra ele.

Nesses termos, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura legal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade com vista ao restabelecimento da paz jurídica) e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutelar bens jurídicos.
Por outro lado, a culpa dar-nos-á o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção - a culpa como fundamento da pena e não como finalidade.
Dentro dessa moldura de prevenção geral de integração, a medida concreta da pena é determinada em função das particulares e concretas exigências de prevenção especial (cf. Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, 114 e segs.) visando promover a reintegração social do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, deverão ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal convocado, deponham quer a favor quer contra o agente (cf. artigo 71º, 2, do Código Penal).
Expostos os critérios para determinação da medida da pena cotejemo-los com os factos dados como provados.
O desvalor do ilícito é médio, atendendo ao objecto em causa e ao tipo de crime em apreço.
Do acto ilícito não resultaram consequências gravosas, pois, ao que se sabe, a arma não foi utilizada.
O dolo assume a forma de dolo directo (artigo 14°, 1, do Código Penal), sendo de intensidade elevada, pois com toda a certeza o arguido dispõe de tempo para reflectir sobre a sua acção.
A favor do arguido milita as circunstâncias de não ter antecedente criminais e desde a data da prática destes factos não lhe ser conhecida actividade ilícita.
As exigências de prevenção geral deste tipo de infracção são elevadíssimas dada a colossal proliferação destes ilícitos e a necessidade de reforço da consciência jurídica comunitária face à violação deste ilícito penal.
As necessidades de prevenção especial situam-se num patamar elevado, bastando para tanto atender, a que o arguido nem sequer teve a dignidade de comparecer no tribunal.
Ignora-se a condição económica e social do arguido.
Rememorando incorre o arguido numa pena de multa a graduar entre 10 e 240 dias, dado que se optou por uma pena não privativa da liberdade.
Segundo o artigo 47°, 2, do Código Penal (na redacção imediatamente pretérita, uma que é mais benéfica para o arguido, logo deve ser esta a aplicar - artigo 2°, 4, la parte, do Código Penal), cada dia de multa corresponde a uma quantia situada entre o € 1,00 e € 498,80.
Pelo exposto, considera-se adequada a satisfazer as necessidades da punição uma pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00."(fim de transcrição).


3. Vejamos se assiste razão ao recorrente.

Os factos dos autos remontam ao dia 2 de novembro de 2005, sendo que, como bem explica a sentença, por ser o regime legal das armas vigente à época o que concretamente se mostra o mais favorável para o arguido será esse que deverá ser aplicado e não o atual regulado pela  Lei n .º 5/2006, de 23 de fevereiro.
Ora, o artigo 275.º do CP, na redação que lhe foi dada pelo art. 1.º da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, estabelece no seu n.º 1 que "Quem importar, fabricar ou obtiver por transformação, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título ou por qualquer meio, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma classificada como material de guerra, arma proibida de fogo ou destinada a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes, radioactivas ou corrosivas, ou engenho ou substância explosiva, radioactiva ou própria para fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.", acrescentando aquela norma no seu n.º 3 que " Se as condutas referidas no n. 1 disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias."
Por seu turno, o art. 6.º da Lei n.º 22/1997, de 27 de junho, na redação que lhe foi dada pelo art. 2.º da mencionada Lei n.º 98/2001, estabelece no seu n.º 1 que "Quem detiver, usar ou trouxer consigo arma de defesa ou de fogo de caça não manifestada ou registada, ou sem a necessária licença nos termos da presente lei, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias."
Nos termos da classificação do n.º 1 do art. 1.º da referida da Lei n.º 22/1997, consideram-se armas de defesa:
a) As pistolas até calibre 7,65 mm, inclusive, cujo cano não exceda 10 cm;
b) As pistolas até calibre 6,35 mm, inclusive, cujo cano não exceda 8 cm;
c) Os revólveres de calibre não superior a 7,65 mm (=,32"), cujo cano não exceda 10 cm;
d) Os revólveres de calibre não superior a 9 mm (=,38"), cujo cano não exceda 5 cm.

No caso da arma de fogo apreendida nos autos e perante o facto provado na sentença ora recorrida sob n.º 7) sabemos apenas tratar-se de uma pistola de calibre 6,35mm, não registada e municiada com quatro munições.
Do "auto de apreensão cautelar" elaborado em 2 de novembro de 2005 e  constante de fls. 47 mais se retira que tal pistola é da marca Browning.
Na mesma ocasião, como se alcança desse mesmo auto, foi apreendida a navalha de ponta e mola pela qual o arguido viria a ser condenado, no âmbito da sentença recorrida e também mencionada no ponto 7) da matéria de facto provada, pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data dos factos, nos termos do artigo 275.°, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 3.°, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 207-A/75, de 17 de abril, na pena de 180 (cento e oitenta dias) dias de multa, à taxa diária de 5,00 (cinco euros), matéria que não vem impugnada nem está em causa ser por nós apreciada.
Desse "auto de apreensão cautelar" de fls. 47 a que vimos aludindo mais se retira que a navalha de ponta e mola, que, como igualmente provado no citado ponto 7), "enquanto fechada, permite a ocultação dissimulada da lâmina no seu cabo", é de "cor preta e verde com 8,5 cm de lâmina".
A sentença não menciona o comprimento da lâmina da navalha de ponta e mola aprendida nos autos (também designada como faca de abertura automática), certamente porque este tipo de objeto, tal como  as facas borboleta, as facas de arremesso, os estiletes com lâmina ou haste e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões, é sempre considerado arma branca independentemente das suas dimensões ao contrário das demais armas brancas, como tal entendidos todos os objetos ou instrumentos portáteis dotados de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-contundente, para os quais se exige, como condição de classificação e como tal de inerente requisito para a sua punibilidade, que tenham comprimento igual ou superior a 10 (dez) centímetros.
No entanto, o Tribunal a quo devia ter apurado e mencionado na sentença o comprimento do cano da pistola apreendida nos autos, já que só na posse de tal elemento estaria habilitado a corretamente subsumir os factos ao direito.
O Tribunal a quo, já que a pistola está apreendida nos autos, podia, por exemplo, de uma forma simples e expedita, ordenar que a mesma fosse trazida pela autoridade policial à guarda da qual aquela arma se encontra, solicitando que tal apresentação fosse acompanhada por elemento do OPC a quem, em audiência, poderia solicitar a desmontasse, retirando-lhe o cano, e depois era só pegar numa régua e medir-lhe o cano. Não era necessário grande rigor científico para perceber se este media mais ou menos de oito centímetros.
O Tribunal a quo, sabendo que a arma, apreendida e descrita nos autos, é uma pistola da marca Browning e de calibre 6,35mm, também podia, para apurar o comprimento do cano, ter consultado a literatura sobre o assunto, que é vasta, e respetivas características técnicas, podendo constatar que os vários modelos que aquele fabricante americano e a sua associada europeia, a empresa belga Fabrique Nationale d'Herstal, produziram naquele calibre, o que fizeram ao longo de todo o século XX, sempre tiveram comprimentos de cano inferiores a oito centímetros, desde a inicial chamada de Colt Vest Pocket Pistol ou FN 1906, como um cano de 51 mm de comprimento até à mais recente, a designada de Baby Browning, possuidora de um cano com 53,6 mm de comprimento.
Com efeito, "em 1905, Browning patenteou um desenho de pistola semi-automática de bolso, a pedido da fábrica Colt, dos Estados Unidos, em calibre 6,35mm (25 AUTO), que foi chamada de Colt Vest Pocket Pistol, algo como “pistola de bolso”. Nessa mesma época, na Europa, também havia um mercado ávido por armas que fossem facilmente dissimuladas. Assim, em 1906, a F.N. lançou uma pequena pistola, em calibre 6,35mm (.25 ACP), idêntica à Colt Vest Pocket, denominada de modelo 1906. Algumas referências, entretanto, atribuem a ela, o ano como sendo de 1905.
(…) depois de vários anos de produção da Browning 1906, em calibre 6,35mm, com mais de 4.000.000 de armas produzidas, a F.N. decidiu lançar a Baby Browning, no mesmo calibre, mas com desenho bem diferente do anterior. Havia três versões básicas: as duas primeiras eram idênticas mecanicamente, mas o modelo vendido na Europa possuía a inscrição “Baby” nas placas da empunhadura; as enviadas ao mercado norte-americano, apenas o logotipo F.N.; a terceira versão teve seu peso aliviado pelo uso de um corpo em alumínio e só foi comercializada nos Estados Unidos. A capacidade do carregador das três versões era a mesma, de seis cartucho."(inhttps://armasonline.org/armas-on-line/as-pistolas-browning/).
Finalmente, da mera observação da fotografia de fls. 48, o Tribunal a quo, podia porventura ter-se percebido que o cano da pistola apreendida não tem comprimento que exceda 8 cm. E porquê ?. Porque nessa imagem ao lado da pistola estão também (e na mesma fotografia) quer o seu carregador, quer as quatro munições de calibre 6,35mm apreendidas, quer a navalha de ponta e mola que se sabe ter 8,5 cm de comprimento da lâmina. Ora se tal lâmina na imagem (que não é fotocópia, mas fotografia com distanciamento ao objeto que necessariamente surge com dimensões inferiores às reais) surge com um comprimento de 40 mm e o cano da arma surge com cerca de 31 mm. Atente-se que tal medição é feita desde a boca do cano até aquilo que se percebe ser a janela de ejeção. Mesmo sem usar a regra de três simples, fácil seria concluir que se 40 representa 85, 31 nunca podem equivaler a mais de 80.
De resto, na generalidade das pistolas de bolso de calibre 6,35 mm o comprimento do cano, por regra, não ultrapassa os 70 mm, como sucede com as Browning e também com as muito difundidas Beretta B 950, as Taurus PT 25 e as Astra Cub 6.
Tudo isto é conhecimento algo empírico e obviamente não substitui a precisão de um  exame pericial, até porque sempre podem existir exceções. Exame cujo "juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.Ver jurisprudência" pelo que "sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência." ( art. 163.º, n.ºs 1 e 2 do CPP).
Absolver o arguido BB, que trazia consigo uma pistola de calibre 6,35 mm, não registada, escudando-se o Mmº Juiz a quo no argumento de que desconhece o comprimento do cano, dado que o Ministério Público não mandou efetuar um exame à arma, é que não faz, salvo melhor opinião e com o devido respeito, qualquer sentido, porquanto se nos afigura que estará sempre preenchido in casu um crime de detenção ilegal de arma por parte deste arguido independentemente do comprimento do cano.
Com efeito, se a arma, que o arguido BB possuía, detendo-a junto ao corpo e que lhe foi apreendida nos autos, e que é uma pistola de calibre 6,35 mm, tiver um cano que não exceda 8 cm, estaremos perante uma "arma de defesa", na previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 1.º da Lei nº 22/1997, e que, por não estar registada nem ter o arguido licença, é conduta punida com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos termos do  n.º 1 do art. 6.º do mesmo diploma legal.
Mas se o cano daquela concreta arma exceder 8 cm então a sua posse sempre será também de punir já não enquanto detenção ilegal de arma de defesa mas por crime de detenção de arma proibida.
Ou seja, no primeiro caso estamos perante aquilo a que doutrina e a jurisprudência tem designado de "arma parcialmente proibida", ou  dito de outro modo, de "arma não totalmente proibida" porque se trata de uma "arma de defesa", de uso e porte não proibido desde que devidamente  registada ou manifestada e na posse de cidadão que seja detentor de licença para o efeito, reunidos que estejam previamente os necessários requisitos legais à respetiva concessão. Enquanto que, no segundo caso se estará perante "arma totalmente proibida", que em circunstância alguma, atentas as suas características de cano com comprimento que excede 8 centímetros, poderá ser classificada como "arma de defesa" e como tal  legalizada.
Tal como o recorrente, também entende este Tribunal ad quem que cumpria ao Tribunal a quo mandar proceder ao exame da pistola apreendida porquanto tal decorre do principio da investigação, impondo-se a intervenção do Tribunal, como poder-dever, quando se entenda a diligencia imprescindível e necessária à descoberta da verdade - art. 323.º, al. a) do CPP.
Ao não o fazer padece a sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP
Tal insuficiência é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
Existe, portanto, o aludido vício quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação.
Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou que crime praticou, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.
Vício que enquanto subsistir a causa não pode ser decidida e que consideramos insanável neste tribunal de recurso, levando ao reenvio do processo para novo julgamento (art.s 426.º, n.º 1, e 426.º-A do CPP).
A primeira instância deverá reabrir a audiência, determinar, visto o disposto no art. 323.º, al. a), do CPP, a realização de exame pericial à arma de fogo apreendida nos autos, do qual terá de necessariamente constar o comprimento do cano da pistola, e junto aos autos o respetivo relatório dar oportunidade à defesa e à acusação de sobre ele se pronunciarem, decidindo, então, e finalmente, com prolação de nova sentença, circunscrita ao arguido BB a entretanto operada separação de processos relativamente ao arguido AA.
Destarte, procede o recurso neste segmento, único, aliás, sobre o qual, como explicámos, nos podemos, aqui e agora, pronunciar.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento, necessariamente parcial por sua natureza, ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, nessa conformidade, decidem:
a) considerar que sentença recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, o qual não é  passível de ser sanado neste tribunal de recurso;
b) revogar a sentença recorrida quanto e tão-só ao arguido BB, já que entretanto houve separação de processos relativamente ao arguido AA;
c) determinar, nos termos dos art.s 426.º, n.º 1, e 426.º-A do CPP, o reenvio do processo à primeira instância para reabertura da audiência, ordenando-se, então aí e visto o disposto nos art.s 323.º, al. a), e 154.º, ambos do CPP, a realização de exame pericial, pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, à pistola Browning de calibre 6,35mm apreendida nos autos, respetivo carregador e munições (vd. fls. 47/48), do qual terá de necessariamente constar o comprimento do cano daquela arma de fogo, e junto aos autos o respetivo relatório dar oportunidade à defesa e à acusação de sobre ele se pronunciarem, decidindo, então, e finalmente, com prolação de nova sentença, circunscrita ao arguido BB.
Sem custas.
Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por vinte páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)
Lisboa, 18 de fevereiro de 2016

Calheiros da Gama
Antero Luís
_______________________________________________________
[1] Antes da leitura da sentença, o Tribunal comunicou ao arguido BB a alteração da qualificação jurídica do crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data dos factos, nos termos do artigo 275.°, n.º 1, do Código Penal, para um crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data dos factos, nos termos do artigo 275°, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 3.°, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 207-A/75, de 17.04, não tendo o aludido arguido requerido prazo adicional para a sua defesa. 

[2] Na numeração inexiste a conclusão 12ª.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inquérito - Arquivamente - Reclamação Hierárquica - Requerimento de Abertura de Instrução TEXTO INTEGRAL (proc. n.º 1759/11.5TAMAI.P1)

7/15.3JASTB-B.L1-9 Relator: ANTERO LUÍS PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL MEDIDAS DE COACÇÃO ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME RL

NULIDADE DA SENTENÇA. VÍCIOS DA SENTENÇA. RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO RECURSO CRIMINAL Nº 1/14.1GBMDA.C1 Relator: VASQUES OSÓRIO Data do Acordão: 18-05-2016 Tribunal: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE MOIMENTA DA BEIRA) Legislação: ARTS. 374.º, 379.º E 410.º, DO CPP