Validade das declarações de co-arguido 1834/08-2 DECLARAÇÃO CO-ARGUIDO VALOR PROBATÓRIO ARGUIDO AUSÊNCIA Nº do Documento: RG Data do Acordão: 09-02-2009 Votação: UNANIMIDADE 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO

I - As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo.

II - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.

III - Dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.

IV - O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.

V - A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação.

VI - O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-07-1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229).

VII - E é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art. 345.º do CPP quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso.

VIII - Tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de co-arguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente.

IX - Na verdade, tal ausência não afecta o direito ao contraditório – que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado –, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP).

X - Questão distinta seria a da recusa do mesmo co-arguido a depor sobre perguntas formuladas pelo tribunal e sugeridas pelo defensor ou pelo MP-




Acordam os Juízes da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO :
Tribunal Judicial de Viana do Castelo (Comum colectivo n.º 180/06.1PBVCT).

RECORRENTE :
Ministério Público

RECORRIDO :
M…(arguido)

OBJECTO DO RECURSO :
Por acórdão de 17 de Dezembro de 2007 (fls. 283 a 292) foi decidido:
- Julgar improcedente a acusação na imputação que a mesma faz ao arguido M…, em co-autoria, da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 146º, nº 1 e 2, em conjugação com o disposto nos arts. 144º a) e 132º, nº 2 g), 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1, e 77º, todos do C.P., em concurso real com um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts., 203º, nº1, e 204º, n.º1, al. d), do mesmo diploma legal., absolvendo esse arguido da prática dos mesmos.

- Julgar improcedente a mesma acusação na imputação que faz ao arguido V… de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts., 203º, nº1, e 204º, n.º1, al. d), do mesmo diploma legal., absolvendo esse arguido da prática dos mesmos.

- Julgar procedente a mesma acusação na imputação que faz ao arguido V…, em co-autoria, da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 146º, nº 1 e 2, em conjugação com o disposto nos arts. 144º a) e 132º, nº 2 g), 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1, e 77º, todos do C.P., e, consequentemente, condenar este arguido na pena de três (3) anos de prisão. Suspender a pena aplicada ao arguido pelo período de três anos.

Inconformado veio o M.P.º recorrer, apresentando as seguintes Conclusões (transcrição):

1. No julgamento realizado nos autos o arguido V…respondeu a todas as perguntas que lhe foram feitas nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 345 do Código de Processo Penal.

2. Todavia, tais declarações, relativamente ao arguido M…, não foram valoradas pelo Tribunal Colectivo, conjuntamente com a restante prova produzida em julgamento, com fundamento no disposto no artigo 345 n.º 4 daquele Código.

3. 0 entendimento do Tribunal Colectivo foi, assim, a de que a referência feita no artigo 345 n.º4 a “declarante” se reporta ao co-arguido prejudicado e não ao co-arguido declarante.

4. Ou seja, a leitura feita pelo colectivo da norma em questão, resultante da conjugação dos números 1, 2 e 4 do artigo 345.° do Código de Processo Penal, foi a de que não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando este último se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2.

5. Com efeito, e em suma, entendeu o Colectivo que o sentido da norma em análise é a de que quando um arguido exerce o seu direito ao silêncio (equivalendo a tal todas as situações em que não presta ou não pode prestar declarações, como acontece no julgamento na ausência, o que ocorreu nos autos), não podem valer como prova contra si as declarações do co-arguido.

6. Todavia, a referência feita ao “declarante” no artigo em apreço, deve reportar-se antes ao arguido declarante, ou seja, àquele que presta declarações em prejuízo de co-arguido.

7. Assim, a norma em causa deverá ser lida como proibindo a valoração como prova das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando aquele (declarante das declarações sob valoração) se recusar a responder as perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 345.° do Código de Processo Penal

8. Ou seja, quando um arguido se recusar a responder a perguntas sob a sua própria responsabilidade nos factos sob julgamento (perguntas a que se referem os números 1 e 2 do artigo 345.° do Código de Processo Penal), não poderão valer como prova as suas declarações em prejuízo de outro co-arguido.

9. Esta será a interpretação que, nos termos do artigo 9.°/3 do Código Civil, deverá prevalecer, uma vez que assenta no entendimento de que se um arguido se faz valer da prorrogativa da não auto-incriminaçäo (que fundamenta o seu direito ao silêncio e, consequentemente, a possibilidade de não resposta as perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 345.° do Código Penal), estará vedada a possibilidade da hetero­incriminação, ou seja, de incriminar um co-arguido.

10. Pelo exposto foram violados no acórdão recorrido os artigos 345.°, números 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, e a artigo 9.°/3 do Código Civil.

Termos em que proferindo acórdão que determine a revogação do acórdão do Tribunal Colectivo proferido nos autos e determine a sua substituição por outro que proceda à aplicação do artigo 345.°, números 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, nos termos supra expostos, farão v.as Ex.as como é de Lei.
***
Admitido o recurso não foi apresentada resposta.
***
Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto seja julgado procedente.

***
Foi cumprido o art. 417, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
***
Colhidos os vistos legais, nada obsta agora ao conhecimento da causa.
***

Como é sabido, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – cfr. Art. 412, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Assim, a questão suscitada é a de saber se pode valer em audiência o depoimento de um co-arguido para incriminar outro arguido quando esse arguido não está presente na audiência.


Cumpre agora decidir:
Com interesse para a decisão dos autos foram os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, bem como a respectiva fundamentação:

Matéria de facto provada:
De relevante para a discussão da causa, resultou provado o seguinte circunstancialismo fáctico:
No dia 9 de Abril de 2006, cerca das 0,30 horas, no “Bar …, o arguido V… foi agredido fisicamente por vários indivíduos de nacionalidade portuguesa.
Na sequência dessa agressão o arguido V… formulou o propósito de se desforçar dos ofensores, procurando o apoio de três amigos cuja identidade não foi possível apurar.
Para tanto, agindo conjunta e concertadamente, deambularam por várias artérias de Viana do Castelo, em busca dos agressores, utilizando para o efeito o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca “Seat Ibiza”, de cor vermelha, com a matrícula …, pertencente ao arguido V…, e por este conduzido.
Cerca das 3,00 horas, na Praça General Barbosa, avistaram J…, nascido em 17/6/1974, caminhando junto ao Jardim D. Fernando, que reconheceram como sendo um dos agressores do arguido V…, o qual, ao avistá-los se pôs de imediato em fuga.
Apeando-se do veículo automóvel em que seguiam, o arguido V… e os três amigos que o acompanhavam seguiram no encalço de J….
Tendo logrado alcançar J…, que derrubaram ao solo, os quatro desferiram sobre aquele vários murros e pontapés, atingindo-o em diversas partes do corpo, designadamente sobre a cabeça e o tronco.
Enquanto assim procediam, um dos acompanhantes do arguido V… desferiu uma forte pancada sobre a cabeça de J…, com uma chave de cruz que empunhava.
Entretanto, um dos indivíduos que acompanhava o arguido V… apoderou-se das sapatilhas que o J… trazia calçadas, retirou e fez seus o par de sapatilhas que este usava, no valor de € 25,00.
Em consequência dos actos praticados pelo arguido V… e respectivos acompanhantes, J… sofreu:
- fractura da parede anterior e lateral do seio maxilar esquerdo;
- fractura múltipla dos ossos próprios do nariz, reduzida por ORL;
- pneumotórax à esquerda, submetido a drenagem torácica no 4º. EIC esquerdo;
- Epistaxis, ferida corto-contusa na região occipital esquerda;
- edema peri-orbitário esquerdo;
- hematoma torácico esquerdo;
- fractura e evulsão de algumas peças dentárias, de que resultou a restauração de um dente e a perda de oito dentes da arcada superior, nomeadamente, os incisivos e caninos, entre outros, que foram substituídos por prótese móvel.
Tais lesões determinaram-lhe trinta dias de doença, com sete dias de incapacidade total para o trabalho.
Sendo que da privação de oito dentes frontais da arcada superior resultou a afectação da capacidade de mastigação/deglutição, bem como uma alteração substancial da aparência facial do ofendido, que assim ficou desfigurado de forma grave e permanente.

O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente, por mútuo acordo e em conjugação de esforços com os demais acompanhantes:
- com o propósito concretizado de lesar a integridade física do ofendido e de lhe produzir ferimentos do tipo dos verificados, designadamente a perda de vários dentes, em decorrência da acção concertada e simultânea de vários pontapés e socos desferidos pelos quatro ofensores sobre o corpo, designadamente a zona bocal, daquele, bem sabendo que dessa forma o privavam de peças dentárias responsáveis por uma das fases da deglutição e lhe alteravam substancialmente a sua aparência física; valendo-se da superioridade numérica para aumentarem as suas potencialidades de contundência e diminuírem as capacidades de defesa do ofendido, como sucedeu, fazendo com que o mesmo ficasse sem quaisquer possibilidades de reacção;
Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

O arguido confessou os factos, quase na sua plenitude, apenas negando que tenha retirado o que quer que seja ao ofendido.

Não tem antecedentes criminais.
É casado, sendo o agregado familiar constituído com a esposa e um filho menor do casal.
Trabalha como operário da construção civil, auferindo um vencimento mensal de € 550,00.
Vive em casa própria, encontrando-se a amortizar ao banco o empréstimo que contraiu para o efeito, pagando mensalmente uma prestação de € 300,00.
Tem ainda, para além das despesas correntes do agregado familiar, um encargo mensal de € 70,00 respeitante ao infantário do filho.
É considerado um bom trabalhador, assíduo e responsável, mantém um bom relacionamento com a vizinhança sendo respeitado e considerado no meio onde habita.
Completou o equivalente ao 12º ano de escolaridade.
Mostra sincero arrependimento.
*
2.2 – Matéria de facto não provada:

Que o M… era um dos indivíduos que acompanhavam o arguido V… e que tenha tido intervenção nos factos apurados.
Que o V…saiu do carro empunhando uma chave de cruz.
Que foi o V… o primeiro a chegar perto do ofendido, agarrou-o e derrubou-o ao solo, e só então os restantes se lhe juntaram.
Que o arguido V… desferiu uma forte pancada sobre a cabeça de J…, com uma chave de cruz, fazendo-o perder os sentidos.
Vendo-o inanimado, o arguido e demais acompanhantes acordaram entre todos apoderarem-se de alguns bens de J…, pelo que lhe retiraram e fizeram seus o par de sapatilhas que este usava, no valor de € 25,00, um maço de tabaco, no valor de € 2,00, e € 80,00 em notas e moedas do Banco Central Europeu, que se encontravam na respectiva carteira, após o que se retiraram do local.

Que os arguidos actuaram com o intuito de se apoderarem de bens que sabiam ser alheios, e de os integrarem nas respectivas esferas patrimoniais contra a vontade do respectivo dono, e em prejuízo deste, valendo-se do facto do ofendido de se encontrar inanimado e sem capacidade de reacção para concretizarem o propósito delineado.
*
2.3 - Motivação da matéria de facto provada e não provada:

O Tribunal formou a sua convicção com base:
O arguido confessou os factos na sua essencialidade, apenas negando a participação do retirar das sapatilhas ao ofendido. 
Relatou circunstanciadamente todo o enquadramento factual que levou ao desenrolar dos acontecimentos e o que conduziu à sua precipitação.
Esse seu relato tem a quase total coincidência com a factualidade vertida na acusação.
O arguido não tem dúvidas que o ofendido J… foi um dos que o agrediram junto ao “Bar …”. Fizeram-no sem que até hoje consiga compreender porquê, uma vez que aí apenas se tinha dirigido para utilizar a casa de banho.
A indignação pela total ausência de motivação para que tal agressão lhe tivesse sido perpetrada é que o levou a recorrer ao auxílio de colegas na perspectiva de encontrar os seus agressores.
Confessa ter agredido o ofendido, juntamente com os seus colegas, a pontapé, quando este já se encontrava no chão, presume que derrubado pelos restantes.
Nega a posse e utilização da chave de cruz, que atribui a um tal Viktor, na casa de quem tinham estado a jantar, bem como a apropriação de objectos do ofendido, designadamente das sapatilhas que este trazia calçadas.


Confirma a participação do M… nos factos. Porém, tal versão não foi apoiada por nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento, nomeadamente pelo ofendido. Pelo que, atendendo a que esse arguido não se encontrava presente para se poder defender de tais imputações e contrapor a sua versão dos acontecimentos ao arguido V…, não sendo, pois, possível fazer funcionar o princípio do contraditório no caso concreto, fazendo funcionar a previsão do art. 345º do C.P.P. não pode o tribunal valorar as declarações do arguido em prejuízo do co-arguido M….


A versão apresentada pelo arguido quanto às agressões ao ofendido, local onde o mesmo foi encontrado, fuga que encetou ao avistar o veiculo que transportava os seus agressores, perseguição que lhe foi movida a pé, posse da chave de cruz e das sapatilhas, acabou por ser confirmada pelas testemunhas H… e J…, jovens que se encontravam no Jardim D. Fernando e presenciaram a chegada do carro do arguido, conduzido por este, a fuga imediata do ofendido e o desenrolar dos acontecimentos posteriores. 
Foram estas testemunhas, designadamente o J…, os primeiros a prestar assistência ao ofendido e a chamar pela ambulância de emergência médica.
Aperceberam-se que o ofendido era agredido simultaneamente por todos os que haviam abandonado o carro vermelho conduzido pelo arguido V…, que reconheceram pelas suas características físicas, mais magro e alto, que eram 4 pessoas que saíram desse carro, incluindo o arguido, e que um deles, o mais forte e corpulento, empunhava uma chave de cruz. Viram depois um desses indivíduos, que não o arguido, regressar ao carro com umas sapatilhas na mão, que vieram a constatar que seriam do ofendido porquanto este se encontrava descalço.
Estas testemunhas confirmaram que o ofendido tinha a boca coberta de sangue, e que expeliu dentes na sequência da agressão. 

O ofendido apresentou uma versão dos acontecimentos algo desprovida de sentido e tendenciosamente ocultadora dos pormenores essenciais relativamente ao sucedido no “Bar …”. Confirma a sua presença no local e o decorrer duma zaragata no exterior do mesmo, na qual estariam envolvidos alguns conhecidos seus e reconheceu o arguido como estando metido no meio da confusão.
Nega que se tenha envolvido nessa contenda. Apenas parou para comprar uns sumos para os filhos, que o acompanhavam, e foi-se logo embora. Sendo contrariado nesta versão pela própria esposa, a testemunha T…, que disse que o marido e um amigo do casal pararam no bar para beber umas cervejas, e que aí permaneceram entre dez a quinze minutos. Ao saírem deu-se a zaragata, e foram-se logo embora, nem deu para beber.
Esta versão é pouco plausível com o sucedido posteriormente, uma vez que o ofendido foi de imediato identificado como um dos agressores do arguido V…, quando vagueavam pela cidade à procura destes, e também ele, mal avistou o veículo conduzido pelo arguido, se colocou de imediato em fuga e a gritar por auxílio, com certeza porque sabia qual a intenção daqueles e o motivo que os levava àquele local. Sendo de salientar que se tratava de pessoas que não se conheciam.
No que concerne às agressões propriamente ditas, o ofendido J… não se recorda de nada. Só se lembra de fugir, ser derrubado, ter-se enroscado em posição de protecção e de o começarem a agredir com socos, pontapés e um objecto, não se tendo apercebido de quem batia e como.
Diz que lhe tiraram as sapatilhas, o dinheiro que trazia na carteira e o tabaco. Apenas obteve confirmação da sua versão relativamente às sapatilhas, nas circunstâncias já indicadas. No tribunal, pelas razões já expostas quanto à credibilidade do seu depoimento, suscitaram-se dúvidas sérias quanto à retirada dos demais bens, sendo certo que o seu depoimento sempre teria de ser tomado com cautela atendendo ao pedido de indemnização civil que formulou, e que por certo vai fazer andar em sede civil.
A já citada T…apenas acompanhou o ofendido durante a permanência no estabelecimento onde se deu a zaragata inicial, apresentando uma versão coincidente com a deste quanto à sua participação nesses factos. No entanto, logo no início das suas declarações, o arguido também inclui esta esposa do ofendido com envolvência em toda essa contenda.
O Dr. Costa e silva foi o médico legista autor do exame efectuado ao ofendido e do relatório junto a fls. 129 e 194, tendo confirmado os factos constantes dos mesmos e os elementos de ordem clínica em que se estribou para a sua elaboração, como os relatórios e informações de estomatologia juntos ao processo.
O Constantino Puga é um elemento da P.S.P. de Viana do Castelo que colaborou no inquérito policial relativo a estes factos mas que nada sabia de concreto sobre os mesmos.
José Fernando Amorim, José Maria Sousa Martins e Alberto José Ribeiro Gomes são, respectivamente, encarregado de obras e vendedor de imóveis da empresa onde o arguido trabalha, os dois primeiros, e industrial de pastelaria com estabelecimento junto à residência do arguido, que abonaram a conduta deste, o seu bom comportamento laboral e social.
Maria do Céu Novais Rodrigues e Vânia Linhares da Costa, são, respectivamente, médica e enfermeira do Centro Hospitalar do Alto Minho que tiveram intervenção no atendimento e tratamento do ofendido, que nada se recordavam de concreto mas confirmaram os documentos clínicos que subscreveram e que se encontram 11 e segs. dos autos. 
Os depoimentos citados, com as excepções ressalvadas, mereceram credibilidade do tribunal e confirmaram os factos dados como provados.
A matéria não provada teve tal destino por manifesta falta de elementos de ordem probatória, testemunhal ou documental, que a sustentasse. Tendo a situação do arguido M… sido abrangida pelo citado art. 345º, nº 4, do C.P.P., atendendo a que apenas o arguido se referiu à sua participação nos factos, nada mais existindo nos autos, ou sido produzido em julgamento, que permita colocá-lo como comparticipante nos mesmos. 
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos no demais e ao CRC do arguido”. 

1. Do valor probatório do depoimento do co-arguido 

Sustenta o recorrente que a referência feita ao “declarante” no artigo 345 n.º 4 do C. P. penal, deve reportar-se antes ao arguido declarante, ou seja, àquele que presta declarações em prejuízo de co-arguido, pelo que a norma em causa deverá ser lida como proibindo a valoração como prova das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando aquele (declarante das declarações sob valoração) se recusar a responder as perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 345.° do Código de Processo Penal, ou seja, quando um arguido se recusar a responder a perguntas sobre a sua própria responsabilidade nos factos sob julgamento (perguntas a que se referem os números 1 e 2 do artigo 345.° do Código de Processo Penal), não poderão valer como prova as suas declarações em prejuízo de outro co-arguido.
Sustenta que essa será a interpretação que, nos termos do artigo 9.°/3 do Código Civil, deverá prevalecer, uma vez que assenta no entendimento de que se um arguido se faz valer da prorrogativa da não auto-incriminaçäo (que fundamenta o seu direito ao silêncio e, consequentemente, a possibilidade de não resposta as perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 345.° do Código Penal), estará vedada a possibilidade da hetero­incriminação, ou seja, de incriminar um co-arguido.
Vejamos.

O Supremo Tribunal de Justiça, antes da alteração do art. 345 do C. Penal pela Lei n.º 48/2007 de 29/08, vinha adoptando nesta matéria urna posição de alguma maleabilidade, no sentido de que tais informações podiam ser valoradas.

Por exemplo no Ac. de 4.05.1994, no qual se afirma: “o art. 133 do C. P.P. proíbe que os co-arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, isto é, que lhes sejam tomados depoimentos, sob juramento, ao contrário do que se passa no sistema anglo-saxonico. Este artigo, porém, não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações (cuja credibilidade é, naturalmente, mais diluída), no exercício de um direito, que Ihes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo. Não é, por isso, processualmente correcto pretender equiparar um testemunho que Ihes está legalmente vedado com as declarações que podem fazer (...), para daí retirar a conclusão errada de que estas últimas correspondem a um meio proibido de prova (Colectânea Jurisprudência – S.T.J. T.II, pág. 202).

Na doutrina, R0DRIG0 SANTIAGO, em estudo dedicado ao tema, adopta a posição contrária. Para o referido autor, “as declarações de um ou mais dos co-arguidos (...), não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros (R.P.C.C. ano de 1994, pág. 62). Assim, “se da motivação da sentença, nos termos do art. 374
 n°2 do C.P.P., in fine, constar que as declarações dos co-arguidos (...) contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do tribunal, verifica-se uma situação de nulidade do julgamento”.
MEDINA DE SEIÇA, porém, também em estudo directamente dirigido a este tema adopta uma posição intermédia (O conhecimento probatório do Co-arguido, Studia jurídica, BFDUC, pág. 160). 
Para esse autor, e após longa e cuidada análise das normas legais aplicáveis e da solução consagrada noutros sistemas, “apesar de o C. P. P. não contemplar expressamente o meio de prova declarações de co-arguido, não se infere a impossibilidade de valoração probatória dessas declarações na parte em que se referem (ou também se referem) aos factos de outro arguido. A questão joga-se, não ao nível da admissibilidade ou possibilidade desta valoração, mas ao nível do critério da valoração, entendendo o autor, a este propósito, que “o conhecimento probatório do co-arguido só deverá servir de fundamento à decisão final a tomar em relação ao outro, caso esteja corroborado, ou seja, caso existam elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade”.

Quanto a nós, adoptamos, decididamente, esta última posição. Trata-se, não só do entendimento mais concordante com o quadro legal aplicável, como com a jurisprudência nesta matéria, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça. (cfr. 
Ac. STJ de 20/6/2001, relatado por Lourenço Martins, CJACSTJ /X, 7: II; pág. 230 e ss., onde, além de doutrina, se referencia diversa jurisprudência; Ac. RC 13/3/2002, CJ XXVII, r. II, pág. 45 e ss.Ac. RC 10/11/2004, CJ XXIX, r. 5, pág. 45 e ss.;).
0 tribunal pode valorar as declarações de um co-arguido quanto ao outro co-arguido, mas deve, em face da ‘credibilidade, naturalmente, mais diluída’, destas declarações, ser mais exigente na formação da convicção quanto à sua veracidade, exigindo que sejam corroboradas.

Posteriormente à Jurisprudência e à Doutrina acima citadas, a Lei n.º 48/2007 de 29/08 aditou ao art. 345 do C. P. Penal um n.º 4, com a seguinte redacção “Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.º 1 e 2”.


Foi com base neste preceito que o tribunal a quo tomou a posição consubstanciada no acórdão quanto à não prova de factos, como se diz na fundamentação de facto textualmente:

“Confirma (Referindo-se ao depoimento prestado pelo arguido V…) a participação do M… nos factos. Porém, tal versão não foi apoiada por nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento, nomeadamente pelo ofendido. Pelo que, atendendo a que esse arguido não se encontrava presente para se poder defender de tais imputações e contrapor a sua versão dos acontecimentos ao arguido V…, não sendo, pois, possível fazer funcionar o princípio do contraditório no caso concreto, fazendo funcionar a previsão do art. 345º do C.P.P. não pode o tribunal valorar as declarações do arguido em prejuízo do co-arguido M…”. 
E, mais adiante: “Tendo a situação do arguido M…sido abrangida pelo citado art. 345º, nº 4, do C.P.P., atendendo a que apenas o arguido se referiu à sua participação nos factos, nada mais existindo nos autos, ou sido produzido em julgamento, que permita colocá-lo como comparticipante nos mesmos”.

Ora, este preceito tem de ser interpretado de acordo com o entendimento perfilhado no acórdão do STJ de 12/03/2008, processo n.º 08P694, relator o Conselheiro Santos Cabral, citado pelo ilustre PGA no seu parecer e disponível no sitewww.itij.pt., sendo o respectivo Sumário o seguinte:
I - Se, após ter anulado um meio de prova – as declarações de um co-arguido –, o acórdão da Relação consegue segmentar a concreta relevância probatória do depoimento em causa, o reenvio dos autos à 1.ª instância não tem qualquer justificação.
II - As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo.
III - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.
IV - Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.
V - A admissibilidade como meio de prova do depoimento de co-arguido, em relação aos demais co-arguidos, não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra a criminalidade organizada.
VI - O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.
VII - Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei admite, simplesmente, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade. Contudo, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito.
VIII - É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.
IX - Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas, é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objectivada e superadora de um eventual défice de credibilidade inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido quando este incrimine os restantes, antes de uma questão de fiabilidade.

X - A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação.


XI - O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-07-1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229).

XII - E é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art. 345.º do CPP quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso.
XIII - Tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de co-arguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente.
XIV - Na verdade, tal ausência não afecta o direito ao contraditório – que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado –, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP).
XV - Questão distinta seria a da recusa do mesmo co-arguido a depor sobre perguntas formuladas pelo tribunal e sugeridas pelo defensor ou pelo MP (…)”.
No texto do referido acórdão diz-se (e passamos a citar em itálico de nossa autoria a parte que ora nos interessa):
“(…) Afirma-se na decisão recorrida ao invalidar o depoimento do arguido MM que as declarações não valem como prova já que, embora o arguido não se tenha recusado a prestar declarações, não as tendo prestado por estar ausente, a situação é equiparável por ser essa a ratio da norma.
Estamos em crer que a decisão recorrida incorre em manifesto lapso equiparando aquilo que não é equiparável. Na verdade, o que está em causa é o exercício do contraditório pelo co-arguido que se remeteu ao silêncio em relação àquele que entendeu colaborar e auxiliar a pretensão punitiva do Estado.
Em última análise o que está em causa é a análise do exercício do princípio do contraditório interpretado no sentido último da sua função teleológica por contraposição a uma interpretação fundamentalista e radical do dos direitos do arguido. Inquestionável na sua dignidade constitucional - artigo 20 da Constituição da República - o principio do contraditório tem subjacente uma concepção inerente ao principio de audiência, consubstanciando a oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo. 
Na busca de uma resposta cabal à pergunta pelo fundamento e sentido do princípio ou direito de audiência, na esteira de Figueiredo Dias (9) teremos que arrancar do principio de que só apreenderemos verdadeiramente o fundamento e sentido que buscamos quando tomarmos por base a ideia de que, nem relativamente à sentença, nem relativamente a qualquer outra decisão que tenha de tomar no decurso do processo, encontra o juiz o sentido dela previamente inscrito e fixado na lei. Mais ainda: não se trata, na obtenção de qualquer daquelas decisões, de uma concretização lógica de normas jurídicas abstractas aplicáveis, mas, verdadeiramente, de um desenvolvimento normativo de tais normas e de uma comprovação autónoma da sua aplicabilidade ao caso concreto; nisto se traduz exactamente a declaração do direito do caso penal concreto e o processo criador através do qual se efectiva.
Por outro lado a finalidade do Estado-de-direito social reside na criação e manutenção, pela comunidade, de uma situação jurídica permissiva da realização livre da personalidade ética de cada membro, Por isso mesmo o esclarecimento da situação jurídica material em caso de conflito supõe, não só a garantia formal da preservação do direito de cada um nos processos judiciais, mas a comprovação objectiva de todas as circunstâncias, de facto e de direito, do caso concreto - comprovação inalcançável sem uma audiência esgotante de todos os participantes processuais. Isto significa que a actual compreensão do processo penal, à luz das concepções do Homem, do Direito e do Estado que nos regem, implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas uma tarefa do juiz ou do tribunal (concepção carismática do processo), mas tenha de ser tarefa de todos os que participam no processo (concepção democrática do processo) e se encontrem em situação de influir naquela declaração do direito, de acordo com a posição e função processuais que cada um assuma.
Agora se compreenderá por que não basta apelar para a função processual da máxima audiatur et altera pars (princípio do contraditório), para a exigência de descoberta da verdade material, ou mesmo para a indispensabilidade de um íntegro direito de defesa, para que do mesmo passo se alcance o fundamento e sentido do princípio da audiência. O que, mesmo no fundo deste, está em causa é nada menos que a relação entre a Pessoa e o Direito, mais particularmente, a relação entre a pessoa e o <<seu>> direito . O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado-de-direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como <<comparticipação>> de todos os interessados na criação da decisão.
*
Do exposto, e seguindo, ainda, o ensinamento do Mestre, derivarão duas consequências que haveremos de ter em mente sempre que se trate de analisar as concretas manifestações do direito de audiência em todo o decurso do processo.
Diz respeito ao que podemos chamar a dupla natureza que o princípio da audiência encerra. Ele comporta as notas de um direito subjectivo para o seu titular: de um direito subjectivo público, contra o Estado, a ser ouvido perante um tribunal. Não só estas notas, todavia, mas também as constitutivas de uma norma objectiva, para a condução do processo perante o tribunal. Norma que há-de assegurar ao titular do direito uma eficaz e, efectiva possibilidade de expor as suas próprias razões e de, por este modo, influir na declaração do direito do seu caso.
Respeita a outra consequência ao âmbito dos titulares do direito de audiência. Legitimado ao seu exercício, na verdade, não deverá estar só o arguido, mas todo aquele participante no processo (seja qual for a veste em que intervenha) relativamente ao qual deva o juiz tomar qualquer decisão que o afecte. Só quando o direito de audiência couber a todos os participantes processuais que possam ser juridicamente afectados na esfera dos seus direitos - de qualquer um dos seus direitos, com compreensível e especial relevo para os direitos de personalidade - por uma decisão a tomar em juízo estará assegurada ás pessoas a sua participação constitutiva na declaração do direito do caso e, através dela, na conformação da sua situação jurídica futura.
*
No que concerne ao âmbito da incidência do princípio o mesmo terá uma maior ou menor amplitude de acordo com a própria fase processual em que se insere. Em toda a sua latitude compreenderá ele a possibilidade de o interessado na decisão a tomar se pronunciar sobre a respectiva base fáctica da decisão, a apresentação de provas, o pedido de novas diligências, as provas recolhidas e, enfim, a questão de direito. Na sua forma mais limitada abarcará, ao menos a possibilidade de tomar posição através de memoriais e requerimentos.
Significa o exposto que a dimensão do princípio terá uma dimensão variável de acordo com a necessidade concreta de salvaguarda do direito de audição do interveniente processual. Na fase de julgamento em que pontifica a oralidade e mediação o exercício de contraditório pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso tal seja adequado.
Assim, adquirido que, na fase de julgamento, o defensor do arguido exerce os direitos que a lei reconhece a este, podendo e devendo exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos da forma mais abrangente e global - artigo 63 e 345 e seguintes do Código de Processo Penal - não se vislumbra como é que se pode afirmar que da ausência do arguido resulta necessariamente a invalidade do depoimento do coarguido no que lhe respeita. Na verdade, tal ausência não afecta o exercício do direito do contraditório a exercer pelo respectivo defensor.
A equiparação feita pela decisão recorrida, e contrariamente àquilo que afirma como pressuposto, não assenta numa interpretação literal e muito menos na “ratio legis” pois que a teleologia da norma reside numa afirmação do exercício do contraditório que foi garantido no caso vertente.
Questão distinta seria a da recusa do mesmo co-arguido MM a depor sobre as perguntas efectuadas pelo tribunal e as sugeridas pelo defensor ou pelo Ministério Público.
Porém, tal não aconteceu no caso vertente. 
Conclui-se, assim, que o depoimento do co-arguido em causa foi incorrectamente anulado não tendo fundamento a declaração de que não se encontra provado o facto escrito sob o n.º 23 (…)”
O saber demonstrado neste acórdão aplica-se inteiramente ao caso vertente. 
Na verdade, no caso vertente, conclui-se que o depoimento do co-arguido em causa foi incorrectamente desvalorizado. 
***

Decisão:
Nestes termos, na procedência do recurso, decidem os juízes deste tribunal ordenar a reformulação do acórdão recorrido, para que o mesmo colectivo, tendo em conta o acima decidido quanto ao valor do depoimento do co-arguido, profira nova decisão da matéria de facto, da qual extraia as consequências que tiver por convenientes para a decisão. 
Sem tributação.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (art. 94°, n.º 2 do C.P.P.)
Notifique.
Guimarães, 9 de Fevereiro de 2009.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inquérito - Arquivamente - Reclamação Hierárquica - Requerimento de Abertura de Instrução TEXTO INTEGRAL (proc. n.º 1759/11.5TAMAI.P1)

7/15.3JASTB-B.L1-9 Relator: ANTERO LUÍS PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL MEDIDAS DE COACÇÃO ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME RL

NULIDADE DA SENTENÇA. VÍCIOS DA SENTENÇA. RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO RECURSO CRIMINAL Nº 1/14.1GBMDA.C1 Relator: VASQUES OSÓRIO Data do Acordão: 18-05-2016 Tribunal: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE MOIMENTA DA BEIRA) Legislação: ARTS. 374.º, 379.º E 410.º, DO CPP